Azarão em 2016, Alexandre Kalil é o maior favorito nas capitais em 2020
No caminho para ser reeleito no 1° turno em BH, o outsider do PSD virou político profissional com aprovação recorde e parcerias que vão do PT ao PSDB
Em 2016, em meio ao descrédito dos políticos tradicionais, uma leva de “outsiders” venceu as eleições municipais. Filiado a um partido minúsculo que depois desapareceu, o PHS, com 20 segundos de tempo de televisão e o slogan “Chega de políticos”, Alexandre Kalil era um dos expoentes desse movimento. Enquanto outros que lucraram posteriormente com a onda do “sou-contra-tudo-o-que-está-aí” caíram em desgraça (Wilson Witzel, do Rio, é o exemplo mais eloquente), Kalil trocou o figurino de forasteiro por estratégias de político profissional — e vem se dando muito bem com isso. Se há quatro anos ele entrou na disputa da prefeitura de Belo Horizonte como um azarão, agora virou a barbada do páreo. Segundo o Datafolha, com 60% das intenções de voto, tem grandes chances de ser reeleito no primeiro turno.
Do Kalil de 2016, ficou apenas o estilo espontâneo, durão e falastrão, que não foge de polêmicas. Assim que se sentou na cadeira de prefeito, ele montou um governo com gente ligada ao PT (política social) e PSDB (gestão e finanças), se filiou ao PSD (quinto maior partido da Câmara e integrante do Centrão), ganhou o apoio de caciques de peso (como Antonio Anastasia) e construiu uma coligação que inclui sete partidos, entre eles MDB, PP e PDT. De quebra, arrebanhou do fundo eleitoral do seu partido 4,8 milhões de reais — há quatro anos, quem financiou a maior parte da campanha foi ele mesmo (2,2 milhões de reais). Apesar das evidências de que agora integra o establishment político, Kalil é categórico: “Não negociei e não entreguei nada a nenhum partido em troca de apoio político”, disse a VEJA.
Não é o que pensam os rivais. “Ele falou que ia governar longe da política e dos políticos”, critica o adversário João Vítor Xavier (Cidadania). Outra tentativa da oposição é explorar o fato de Kalil dever ao município que comanda 243 000 reais de IPTU. Com um patrimônio declarado de 3,6 milhões de reais, é constrangido por desafetos por ainda não ter pago a despesa que prometeu quitar em 2016. Quando questionado, o prefeito costuma dizer que é um cidadão comum, que não tem dinheiro para regularizar o débito e que os imóveis não estão só no seu nome (ele tem partes de cada bem, a maioria herdada).
Até agora, as críticas e acusações não fizeram grandes estragos na imagem de Kalil. “Ele conseguiu construir na cabeça do eleitorado que é o único governante que não o engana”, diz o professor de ciência política da UFMG Felipe Nunes. Para fazer frente ao coronavírus, impôs medidas duras de restrição. Comprou briga com o empresariado local, foi chamado de “tirano” por um juiz e levou buzinadas na porta de casa. Ainda assim, 70% da população aprova hoje a sua gestão na pandemia. Belo Horizonte teve a menor taxa de mortes por Covid-19 entre as cidades com mais de 2 milhões de habitantes.
Para além do coronavírus, a política no setor de transportes é uma das que mais lhe rendem votos, graças ao congelamento de tarifas dos ônibus e a renovação da frota. Além disso, investiu em programas sociais, como o pagamento de uma bolsa de 300 reais destinada à população em extrema pobreza. Não fez grandes obras, mas manteve os serviços funcionando e o pagamento do funcionalismo público em dia, diferentemente do governo do Estado, que precisou parcelar salários e pedir socorro ao governo federal. Uma das proezas mais lembradas de sua gestão foi a rápida reação aos problemas decorrentes das chuvas intensas que atingiram BH no início deste ano.
A ascensão de Kalil coincidiu com o momento da derrocada de políticos que dividiram o poder no estado, como os ex-governadores Aécio Neves (PSDB) e Fernando Pimentel (PT). Na campanha atual, enfrenta catorze postulantes. O nome indicado pelo governador Romeu Zema, Rodrigo Paiva (Novo), não tem nem 2%. Nesse cenário de pulverização, Kalil reina absoluto. Ao assumir, disse que havia acabado a disputa entre “coxinhas e mortadelas”. “O papo agora é quibe”, afirmou, em referência à ascendência síria. Ex-presidente do Atlético-MG, também declarou que política “não é igual a Atlético e Cruzeiro”. Conseguiu obter o apoio de segmentos como o público LGBT (marcou presença na parada gay da cidade) e evangélico (passou a receber os pastores em reuniões em sua casa). Grandes mineiros como Tancredo Neves e Juscelino Kubitschek sempre fizeram questão de cultivar a conciliação e o diálogo. Ao seu estilo turrão e mal-humorado, o outsider Kalil mostra-se cada vez mais um profissional da política ao seguir a escola da conciliação.
Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711