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Beneficiado por decisão polêmica, André do Rap segue longe das grades

O traficante completa três anos fora da cadeia, no mesmo momento em que casos semelhantes voltam a preocupar o país

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h16 - Publicado em 22 out 2023, 08h00

Quando foi preso pela última vez, em 2019, André Oliveira Macedo, o André do Rap, não era mais um simples dono de uma “biqueira” na Baixada Santista, onde nasceu e cresceu para o mundo do crime, como fora em sua primeira detenção, em 1996, aos 19 anos. Encontrado pela Polícia Civil de São Paulo em uma mansão de Angra dos Reis, no litoral sul fluminense, com um iate ancorado na água e um helicóptero estacionado no jardim, avaliados em mais de 13 milhões de reais, André, então com 43 anos, já era um importante membro da facção criminosa PCC e considerado um dos principais traficantes do país, responsável por exportar toneladas de cocaína para a Europa, via Porto de Santos. Sua atuação o levou a fazer negócios até com a Ndrangheta, organização criminosa italiana que rivaliza com a Cosa Nostra. Apesar da alta periculosidade e dos mais de 25 anos de prisão a que foi condenado, André do Rap passou apenas treze meses detido e deixou, pela porta da frente, em 10 de outubro de 2020, a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, após uma decisão liminar do então ministro do Supremo Marco Aurélio Mello, sob a alegação de que a prisão provisória estava irregular. Quando a medida foi revogada pelo Supremo, André do Rap já estava longe demais.

Não bastasse ter sido solto, o traficante foi beneficiado por outra decisão judicial polêmica. Em abril deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que houve ilegalidade na apreensão de seus bens em Angra, pois havia contra ele apenas uma ordem de prisão, e não para a tomada de seu patrimônio. Com isso, além do helicóptero e do iate, foram liberados um Porsche, quatro motos náuticas, duas casas, celulares e computadores. Todos os bens apreendidos estão em nome de “laranjas”, como uma manicure que mora em Guarujá, no litoral paulista, e afirma que nunca esteve em Angra. O caso virou um processo criminal na Justiça Federal do Rio de Janeiro, que vai apurar a prática de lavagem de dinheiro e a ocultação de bens.

O vexame do caso André do Rap está longe de ser isolado. Episódios recentes na Bahia e no Rio de Janeiro mostram que há, em algumas ocasiões, um descompasso entre o cerco policial aos grandes criminosos e certas decisões judiciais. Na terça-feira 17, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou o desembargador baiano Luiz Fernando Lima, que, durante um plantão, no domingo à noite, concedeu prisão domiciliar ao traficante Ednaldo Freire Ferreira, o Dadá, um dos fundadores do Bonde do Maluco, a maior facção do estado. Como André do Rap, Dadá saiu pela porta da frente de um presídio de segurança máxima e já havia desaparecido no dia seguinte, quando um desembargador revogou a decisão. Outro caso se deu no Rio. O agraciado foi o traficante Wilton Carlos Quintanilha, o Abelha, apontado como membro do Comando Vermelho, que viu o seu mandado de prisão sumir do banco do CNJ — o que dificultaria, e até impediria, a sua prisão em outro estado. O caso irritou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que pediu providências ao ministro Luís Roberto Barroso, que acabou de assumir a presidência do órgão e do STF.

VOO LIVRE - Abelha: o mandado de prisão do bandido sumiu dos arquivos
VOO LIVRE - Abelha: o mandado de prisão do bandido sumiu dos arquivos (@Opesadelo01/Twitter)

Os erros no caso André do Rap não podem ser direcionados só ao Judiciário. Quando saiu da cadeia, o traficante foi acompanhado de perto pela polícia paulista até o Paraná, de onde desapareceu. “Se de lá ele foi para o Paraguai, não daria para terem ido atrás de mais informações?”, questiona Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Do Paraguai, o bandido passou por Bolívia e Colômbia, mas já retornou algumas vezes ao país, onde ainda atua. Recentemente, uma campana da polícia flagrou uma familiar embarcando em um iate no litoral paulista. “Ela foi até uma ilha para se encontrar com o André, que chegou lá de helicóptero, mas os policiais não puderam acompanhá-la por limitações operacionais”, diz um policial. Apesar de ser destaque na lista de procurados, não há até hoje uma equipe específica da polícia paulista no encalço permanente de André. A possibilidade de achá-lo inclui contar com a colaboração da Polícia Federal e da Interpol, a polícia internacional.

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Os episódios reacenderam uma polêmica sobre como manter chefões do crime atrás das grades sem desrespeitar as leis. Marco Aurélio Mello disse à época que a prisão provisória do traficante era ilegal, porque o prazo de noventa dias havia terminado e não havia sido prorrogado. Sobre a periculosidade do preso, afirmou que não levou em conta o autor da ação. “Não fui à capa do processo”, alegou. A decisão tecnicamente é embasada, na avaliação do advogado Cristiano Maronna, diretor da plataforma Justa. “A lei tem que valer para todos. A regra do processo penal é a liberdade do acusado durante o processo. A exceção é a prisão cautelar”, afirma. Para ele, o maior problema está no fato de o país ter um “sistema judicial que presta serviço ruim, lento e de má qualidade”. Isso ficou visível no processo de André do Rap, no qual a prorrogação da prisão nem havia sido pedida pelos responsáveis do caso, o que abriu brecha para a defesa do réu. Esse é um risco que o país não pode correr. A estimativa é que existam cinquenta facções criminosas atuando no Brasil, o que tem ajudado a elevar a violência em estados como Bahia e Rio. O combate a esse tipo de banditismo precisa ser feito com rigor, inteligência e competência. Não é, afinal, só o crime que pode ser organizado.

Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864

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