O general Walter Braga Netto chefiava o Estado-Maior, o segundo posto na hierarquia do Exército, quando foi convidado pelo então presidente Jair Bolsonaro para assumir a Casa Civil, uma das cadeiras mais estreladas de qualquer governo. Era fevereiro de 2020, e, no mês seguinte, a pandemia chegaria ao país, levando o militar ao comando do comitê de crise da Covid-19. Braga Netto adquiriu um inédito protagonismo e ganhou tanta confiança do presidente que, depois, foi alçado a ministro da Defesa e a candidato a vice-presidente. A proximidade com o ex-capitão também atraiu problemas. Ele foi investigado por negligência durante a pandemia, por abuso de poder político nas eleições do ano passado e, mais recentemente, entrou na mira da Polícia Federal em inquéritos que apuram desde supostas fraudes quando esteve à frente da intervenção no Rio de Janeiro, em 2018, até um plano golpista. Por enquanto, ele tem resistido ao tiroteio.
Para a Polícia Federal, não há dúvida de que o general esteve diretamente envolvido na trama que resultou nos ataques do dia 8 de janeiro. Até onde se sabe, no entanto, ainda não há provas concretas contra ele. Há suspeitas. A CPI que investiga a invasão e a depredação das sedes do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal aprovou cinco requerimentos convocando o general para depor, mas os parlamentares vão encerrar os trabalhos sem ouvi-lo. Não é a primeira vez que isso acontece. Em 2021, a CPI da Pandemia investigou a responsabilidade de Braga Netto pela demora em comprar vacinas contra a Covid, o que teria resultado em milhares de mortes. A investigação terminou sem o testemunho do general. Um senador que ocupou um cargo importante na comissão confidenciou que os parlamentares desistiram de ouvi-lo por medo de provocar uma crise.
Na época, ao ser sugerida a convocação de Braga Netto, militares próximos ao então ministro fizeram circular a notícia de que ele, caso convocado, não compareceria. A informação vinha acompanhada de uma ameaça velada: em caso de descumprimento da intimação, quem ousaria levá-lo contra a vontade ao Congresso? A CPI preferiu não pagar para ver, e desistiu da convocação. Foi uma demonstração de força. Na próxima semana, será a vez de a CPI do 8 de Janeiro apresentar o resultado de quatro meses de investigação sobre os ataques. Assim como aconteceu na CPI da Pandemia, é possível que Braga Netto conste na lista de indiciados — mesmo, de novo, sem ser ouvido. Dessa vez, o general não precisou da blindagem militar. A proteção coube aos próprios políticos do seu partido, o PL. “É um grande prejuízo ao trabalho da comissão”, lamenta o deputado Duarte Júnior (PSB-MA), responsável por um dos requerimentos de convocação.
Além das batalhas judiciais, Braga Netto atua com intensidade na frente política. Após a derrota em 2022, ele assumiu a Secretaria de Relações Institucionais do PL. Agora na função de dirigente, ele se reúne todas as semanas com a cúpula do grupo, incluindo Jair e Michelle Bolsonaro, organiza os diretórios estaduais e promove encontros com entidades representativas e empresariais. Na última terça-feira, 10, o general compareceu ao Congresso para participar do lançamento de uma frente parlamentar contrária à doutrinação nas escolas, evento que congregou a nata do bolsonarismo e, claro, lhe rendeu um ambiente bem diferente do que encontraria na CPI. Lá, foi aplaudido, levou uma “mensagem de esperança” contra a ideologia de gênero e tirou fotos com admiradores que o abordavam — um ensaio para 2024. Braga Netto está sendo convencido a voltar às urnas no ano que vem como o candidato do PL ao posto de prefeito do Rio de Janeiro.
Se não for alvejado pelas investigações em curso, há uma boa possibilidade. A legenda tem feito uma série de pesquisas para avaliar seu potencial eleitoral e, segundo o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), os levantamentos mostram que ele é o nome mais bem posicionado entre os possíveis candidatos do partido. “A gente quer dar trabalho para o adversário”, afirma o parlamentar. Por enquanto, é o que tem melhores chances de chegar ao segundo turno com o prefeito Eduardo Paes (PSD), que vai disputar a reeleição na condição de franco favorito. Antes de chegar lá, porém, o general precisará driblar alguns problemas que ainda se apresentarão. A Polícia Federal vai intimá-lo a depor nos próximos dias no inquérito que investiga a trama golpista que teria sido organizada nos estertores do governo Bolsonaro. Interlocutores afirmam que ele nunca discutiu nada “fora das quatro linhas”, como se suspeita. Além dessa dor de cabeça, está em pleno andamento uma operação que apura uma fraude milionária na compra de coletes durante a intervenção no Rio. “Quem denunciou os caras fomos nós, e a compra de coletes sequer foi concluída. Estão fazendo narrativas”, disse Braga Netto a VEJA. A guerra está só começando.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863