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Cariocas usam aplicativos para saber onde está havendo tiroteio

Devido à escalada da violência na cidade, moradores buscam na internet informação sobre locais de confrontos armados; em um ano, foram 3.829 trocas de tiros

Por Da Redação
7 ago 2017, 14h50
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  • Os tiroteios em diversas partes do Rio de Janeiro transformaram a forma de comunicação entre moradores, que estão usando cada vez mais a internet para chamar a atenção para os conflitos no momento em que estão ocorrendo, como forma de se proteger do perigo nos deslocamentos dentro das próprias comunidades ou na volta para casa.

    No Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, o jornal Voz da Comunidade foi criado há 12 anos com o objetivo de difundir atividades ligadas à cidadania e cobrar direitos e serviços. No entanto, com o aumento da violência, os moradores passaram a usar o WhatsApp da publicação para se comunicar sobre a ocorrência dos tiroteios frequentes.

    “Para o relato de morador sobre tiroteio, a gente usa o WhatsApp, até para não contaminar, porque no jornal a gente dá a notícia voltada para o serviço de cidadania e a cobertura de cidade. O Complexo do Alemão tem 13 favelas. A gente tem grupos no WhatsApp nessas 13 favelas e aí faz a transmissão. São muitas pessoas pedindo, por dia, para entrar nos grupos. As nossas redes sociais são para comunicar não só histórias positivas dentro da favela, mas também problemas sociais como lixo, casa caindo”, contou a jornalista Maria Carolina Morganti, de 25 anos, que atualmente é chefe de redação do Voz da Comunidade.

    No período de 12 anos, o jornal se expandiu e passou a ser distribuído em mais 15 comunidades, como a Maré e a Cidade de Deus. Para Maria Carolina, o valor social das comunicações extrapolou para o novo meio. “A gente alerta os moradores por onde ir. A gente apura. O caveirão [carro da Polícia Militar] está lá, não vai. É muito funcional. O que está em jogo é a vida dos moradores. É um aplicativo gratuito que funciona bem”, disse.

    No site Fogo Cruzado, criado para divulgar informações que servem para estudos sobre onde e quando ocorrem os tiroteios, os dados são atualizados frequentemente. O site também publica estudos feitos em parceria com a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP). Segundo a jornalista Cecília Olliveira, gestora de dados do site, além de pesquisadores ou jornalistas em busca de informação, também acessa a página quem procura saber se tem tiroteio perto de casa ou em algum lugar para onde está indo. “As pessoas estão atemorizadas. Elas realmente buscam mais informação sobre o que está acontecendo, como, onde e por quê. Tem inclusive a porta aberta para os boatos”, acrescentou.

    De acordo com a jornalista, o Fogo Cruzado tem a preocupação de checar as informações que recebe para garantir a distribuição de dados de qualidade. “Temos vários filtros nas redes, em que conseguimos cruzar as informações de mais pessoas, saber se tem outras ocorrências na mesma área. Geralmente, quando há uma situação assim, várias pessoas estão falando sobre a mesma coisa”, disse. Segundo ela, o número de downloads do aplicativo tem aumentado mês a mês e já atingiu 95 mil pessoas. No Twitter, o Fogo Cruzado tem 5.834 seguidores, que são atualizados sobre a ocorrência de tiroteios.

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    Transtornos

    Para a psicóloga e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB) Herika Cristina da Silva, a violência urbana chegou a um nível tão elevado que as pessoas estão com medo exacerbado e sobressaltadas com a necessidade de colher informações sobre a ocorrência de algum evento. Ela destacou, no entanto, que a utilização dos aplicativos para esse fim pode piorar a situação. “Ao mesmo tempo em que pode ajudar a sair de uma situação de violência, acaba levando a pessoa a ficar cada vez mais exposta ao conhecimento dessas situações. Pode ajudar a aumentar o nosso medo e essa sensação de vulnerabilidade e de insegurança, porque a pessoa se expõe a mais situações.”

    Na visão da psicóloga, o impacto da violência urbana, em geral, na saúde mental das pessoas tem sido comprovado em estudos. Pesquisas mostram que o aumento da violência interpessoal tem potencial maior para causar Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT). “O aumento da violência no Rio de Janeiro, nos últimos tempos, vai ter impacto muito grande, já que a violência urbana afeta a vida das pessoas até mais que outros traumas. Então, há um aumento dos transtornos pós-traumáticos nos moradores, que são desencadeados por eventos traumáticos, mas também transtornos de ansiedade e depressão”, contou.

    Mapa dos tiroteios

    De acordo com dados do estudo Educação em Alvo – Os Efeitos da Violência Armada nas Salas de Aula, feito pela FGV/DAPP, em parceria com o Fogo Cruzado, entre julho de 2016 e julho de 2017, a cidade do Rio de Janeiro registrou 3.829 tiroteios. O município tem 1.809 instituições de ensino fundamental e médio e 461 creches e serviços de educação infantil.

    Os pesquisadores identificaram áreas de prioridade de ações de políticas públicas com base em dois critérios – o primeiro, de concentração territorial de escolas e a incidência de tiroteios/disparos de arma de fogo; e o segundo, apenas o número de tiroteios/disparos de arma de fogo.

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    Conforme a avaliação, os bairros que concentram maior número de escolas municipais, estaduais e creches expostas à violência armada são Costa Barros, Acari e Cidade de Deus. A maior parte dos registros de tiroteios/disparos de arma de fogo se concentra na zona norte, com maior ocorrência nas regiões do Complexo do Alemão (218 registros) e da Maré (119 registros).

    Outra área que chamou a atenção foi a das imediações da Avenida Brasil, na altura do bairro da Penha (128 registros). O objetivo da pesquisa é pensar em políticas públicas que atendam às diferentes necessidades de crianças e adolescentes em idade escolar que vivem em áreas vulneráveis, com alto índice de violência, especialmente a armada.

    Para a psicóloga Herika Cristina, os alunos das unidades localizadas em áreas de conflito estão sujeitas ao Transtorno de Estresse Pós-traumático. “Elas podem passar por diversos traumas – se a escola é fechada recorrentemente, se há vários confrontos, além da consequência de cancelamento de aulas e de ter que voltar para casa. Vários traumas acontecendo de maneira recorrente. Isso aumenta a chance de a criança desenvolver sintomas de ansiedade e de depressão porque também é suscetível a isso. Elas são bem afetadas”, disse.

    A especialista defendeu a necessidade de manter equipes de atendimento psicológico nas escolas localizadas em regiões de conflitos entre criminosos e a polícia. “Toda escola deveria ter psicólogo. É muito importante”, afirmou.

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    Pedido de socorro

    No final de julho o presidente da República, Michel Temer (PMDB), assinou um decreto que autorizou o uso das Forças Armadas para reforçar a segurança no Rio de Janeiro. A operação mobiliza 8,5 mil militares das Forças Armadas, 620 da Força Nacional de Segurança e 1,1 mil da Polícia Rodoviária Federal. As principais vias de acesso da capital estão sendo patrulhadas por militares, em medida que visa diminuir a criminalidade.

    (Com Agência Brasil)

     

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