Carta ao Leitor: A missão
A nova liderança do Banco Central terá a tarefa de permanecer com o mesmo rigor técnico, ainda que sofra severa pressão política

Poucas instituições no Brasil carregam o peso simbólico e estratégico do Banco Central (BC). Guardião da estabilidade monetária, é ele que, com mãos firmes, controla o leme da economia nacional. Na última década, marcada por crises globais, oscilações políticas e desafios internos, o papel do BC foi elevado a uma posição ainda mais extraordinária. Roberto Campos Neto, que agora se despede da autarquia, deixa um legado que merece reconhecimento, embora controverso em alguns aspectos. Herdeiro da tradição liberal, que remonta a seu avô, Roberto Campos, o ex-presidente carregou a missão de enfrentar a tempestade inflacionária que voltou a assombrar o mundo após a pandemia de covid-19 — e a gestão de Campos Neto esteve à altura do desafio. Sob sua liderança, o BC adotou uma política monetária dura, elevando a taxa Selic a níveis que causaram desconforto em alguns setores, mas o objetivo maior — a contenção da inflação — foi, em grande parte, alcançado.
A questão é que, como dizia o filósofo e ex-presidente americano Thomas Jefferson (1743-1826), “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. No caso do BC, a vigilância contínua deverá ser sempre sobre os impulsos inflacionários, que corroem não apenas o poder de compra, mas também a confiança na moeda e, por extensão, no próprio país. Agora, com a chegada de um novo presidente da instituição, o economista Gabriel Galípolo, o BC enfrenta desafios gigantescos. Lá fora, a economia global dá sinais de esfriamento, com mudanças significativas na condução dos Estados Unidos, além de uma geopolítica instável. No cenário doméstico, as demandas são igualmente robustas: é preciso consolidar o crescimento econômico, mas, sobretudo, equilibrar as contas públicas.
A nova liderança terá a tarefa de permanecer com o mesmo rigor técnico, ainda que sofra severa pressão política. Será preciso inovar sem abandonar a prudência, ouvir sem se submeter e agir sem hesitar. O BC não pode se tornar refém de governos. A autonomia é uma conquista recente, mas já se provou indispensável para proteger a economia brasileira de pressões casuísticas. É uma barreira contra a tentação populista de imprimir crescimento a qualquer custo. Mas essa autonomia só será preservada se a nova presidência demonstrar que é possível ser independente. Vale relembrar as palavras de outro gigante do conhecimento humano, o filósofo grego Aristóteles: “A excelência não é um ato, mas um hábito”. Que o hábito de servir ao interesse nacional, acima de qualquer disputa política, continue sendo a missão do Banco Central do Brasil.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2025, edição nº 2925