Carta ao Leitor: Cadeia de problemas
Grave crise da segurança pública no país só será combatida de forma efetiva quando a sociedade realizar debate maduro sobre distorções do atual sistema

De acordo com investigações da polícia, André Oliveira Macedo, o André do Rap, ganhou vulto no mundo do crime ao se tornar o principal responsável pelo envio de cargas de cocaína do Brasil para a Europa a serviço do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Em setembro de 2019, ele acabou sendo capturado em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, em meio a um cerco que envolveu aproximadamente trinta policiais. Além de gerar um prejuízo imediato na quebra de um elo importante da cadeia do tráfico, a detenção dele poderia ajudar as autoridades a chegar a outros comparsas.
Poderia, pois André do Rap ficou poucos meses preso. Solto por decisão liminar do então ministro Marco Aurélio Mello, do STF, saiu pela porta da frente da penitenciária de Presidente Venceslau, em São Paulo. Quando a decisão foi revogada, era tarde demais. Ele está há mais de quatro anos foragido e faz parte hoje da lista de bandidos procurados pela Interpol. O caso de André do Rap não é único. A cada semana, surgem notícias nos mais diferentes cantos do país de criminosos que, depois de detidos pela polícia, são soltos por ordem da Justiça, em decisões amparadas na letra fria da lei, que é cega ao grau de periculosidade desses casos.
A recorrência de situações do tipo tem levado autoridades de segurança a aumentar as críticas contra o sistema, que parece beneficiar criminosos. Os responsáveis por investigar e prender argumentam que todo esse esforço acaba se tornando inútil por causa das canetas benevolentes dos juízes. Essas críticas ecoaram no Congresso, e um grupo de parlamentares vem propondo mudanças na lei, de forma a evitar que, uma vez fechada, a tranca da cadeia não volte a se abrir novamente. Por outro lado, membros do Judiciário argumentam que os magistrados simplesmente cumprem a regra, a exemplo do que fez Marco Aurélio Mello. Segundo eles, o problema ocorre porque a polícia prende mal. Ausência de elementos para justificar o flagrante e falta de provas estão entre os problemas mais frequentes que embasam a soltura, concedida sob o argumento de impedir injustiças, garantindo o amplo direito à defesa.
Reportagem da edição aprofunda esse debate. Segundo especialistas, a situação decorre de falhas de ambos os lados. Há problemas evidentes nas ações policiais, assim como existem brechas na Justiça que precisam ser revistas. É impossível se mostrar indiferente a dados como o de que quase metade dos detidos sai livre da prisão após as chamadas audiências de custódia. Inegavelmente, é uma porta aberta que ajuda a realimentar a roda do crime. Prova disso é que cerca de 20% dos presos libertados voltam à cadeia até um ano depois da primeira detenção. A grave crise da segurança pública no país só será combatida de forma efetiva quando a sociedade realizar um debate maduro sobre como resolver essa e outras distorções do atual sistema.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938