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Caso Henry: os relatos de agressões do Dr. Jairinho contra outras crianças

Depois da morte violenta do menino de 4 anos, VEJA teve acesso a depoimentos sobre casos de violência que supostamente envolvem o vereador carioca

Por Marina Lang, Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 14h13 - Publicado em 2 abr 2021, 06h00

Às 4h20 da madrugada de 8 de março, o engenheiro Leniel Borel de Almeida, 37 anos, se preparava para viajar a Macaé, no litoral do Rio de Janeiro, onde trabalha, quando recebeu o pior telefonema de sua vida. “O Henry está no hospital com dificuldade para respirar”, disse, nervosa, a ex-mulher, a professora Monique Medeiros, 33. Em seguida, o namorado dela, o médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho (Solidariedade-RJ), 43 anos, puxou o celular e disparou: “Irmão, vem para cá que ele teve uma parada cardíaca”. Ao chegar ao hospital, na Zona Oeste do Rio, Borel ajoelhou-se diante da maca na qual três pediatras tentavam desesperadamente reanimar o menino, de 4 anos, com injeções de adrenalina e massagem cardíaca, e perguntou ao casal o que havia acontecido. Jairinho lhe contou ter ouvido um barulho vindo do quarto em que Henry dormia, no apartamento na Barra da Tijuca onde o casal vive desde janeiro. Ao chegar lá, o encontrou caído, gelado e com os olhos revirados (no depoimento à polícia, dez dias depois, o casal modificaria a versão: ele tomara remédio para dormir e quem achou o menino desacordado foi a mãe).

O ex-vereador e a mãe de Henry: o casal, hoje réu por homicídio qualificado, antes unido na defesa, defendia a versão de acidente doméstico
“CAIU DA CAMA” - Dr. Jairinho e Monique: autópsia desfez versão para a morte – (./Reprodução)

A explicação dos dois era que Henry tinha caído da cama, mas a autópsia desfez a hipótese de acidente doméstico ao apontar hemorragia interna e laceração hepática causada por ação contundente, além de lesões na cabeça, tórax e hematomas pelo corpo. Às 5h42 da manhã, uma hora e 52 minutos depois de Henry ter chegado ao hospital, foi declarado o óbito. Borel conta que ali mesmo, e diante de duas testemunhas, Jairinho se aproximou e disse: “Vamos virar essa página, vida que segue. Faz outro filho”.

A polícia está investigando o triste fim de Henry e já ouviu dezesseis pessoas. Na apuração, surgiram relatos de supostas agressões de Jairinho tanto a Henry quanto à filha de uma ex-namorada. VEJA teve acesso a trocas de mensagens e depoimentos exclusivos, inclusive sobre uma inédita terceira vítima do vereador. As conversas traçam um perfil dele de homem educado, gentil e generoso na aparência, mas que na intimidade exibe temperamento violento e perverso, beirando o sadismo. A lista de vítimas desse lado obscuro do vereador começa pela ex-mulher, a nutricionista Ana Carolina Ferreira Netto, com quem tem dois filhos. Ela registrou duas queixas na polícia: na primeira, em 2014, afirmou que, depois de uma discussão, ele teve um “ataque de fúria”, desferindo socos e pontapés, a ponto de ser hospitalizada; a outra, de 2020, cita apenas “lesões corporais”. Procurada, Ana não retornou as ligações.

PADRÃO - Pistas no WhatsApp: mãe comenta com o ex que Henry não gostava de ficar na casa dela; antiga namorada admite a ele culpa por não ter protegido a filha; e testemunha inédita cita uma terceira vítima que se livrou do “maldito” -
PADRÃO - Pistas no WhatsApp: mãe comenta com o ex que Henry não gostava de ficar na casa dela; antiga namorada admite a ele culpa por não ter protegido a filha; e testemunha inédita cita uma terceira vítima que se livrou do “maldito” – (./.)
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Tanto os depoimentos à polícia quanto os relatos feitos a VEJA mencionam agressões a ex-namoradas e, invariavelmente, aos filhos delas, todos na mesma faixa de idade. Uma dessas ex-namoradas (nenhuma das envolvidas quis ser identificada), com quem se relacionou entre 2014 e 2016 e mãe de um menino de 5 anos na época, esteve na delegacia e negou a ocorrência de maus-tratos. Mas a reportagem localizou uma amiga íntima dela que diz ter conhecimento de episódios tenebrosos. Um deles foi a tentativa de Jairinho de dopar a namorada em um hotel. “Minha amiga acordou, grogue, e deparou com o menino chorando e o namorado o forçando a tomar banho de banheira”, lembra. Ela mesma diz ter visto diversas vezes o garoto “chorando e tremendo” só de ouvir as palavras “tio Jairinho”.

Durante o relacionamento, ressalta a amiga, o vereador arranjava motivos para sair sozinho com o menino, que voltava parecendo ter passado por “sessões de tortura”. Em uma ocasião, chegou com o rosto inchado e desfigurado, olhos roxos e a explicação: havia caído de cabeça. Em outra, apareceu com a perna fraturada na altura do fêmur e a justificativa: tinha se prendido no cinto de segurança e tropeçado ao sair do carro. “Nas duas vezes, Jairinho o levou a uma clínica de conhecidos dele. Minha amiga estava deslumbrada e tinha medo por ele ser poderoso”, contou a mulher a VEJA. Essa ex-namorada (que, segundo a amiga, segue em contato com o vereador) recebeu um telefonema dele horas depois da morte de Henry, no qual, segundo afirmou à polícia, nenhuma palavra foi dita sobre a tragédia.

A reportagem conversou com outra ex-namorada, que confirmou ataques à filha já relatados na delegacia (onde a menina, hoje com 13 anos, estava presente) e acrescentou novos detalhes do relacionamento com o Dr. Jairinho, entre 2010 e 2013. “Passei muito tempo da minha vida me culpando e me sentindo péssima como mãe por não ter visto a realidade. Ele é um tipo de homem que cega, ilude, mente”, desabafou. Durante mais de dois anos, conta que ele — tal qual no outro caso apurado por VEJA — arran­ja­va pretextos para sair sozinho com sua menina, então com 4 anos. Aos poucos, a garota foi soltando que o “tio” torcia seus braços e pernas e lhe dava cascudos. No episódio mais horripilante, foi levada a um local que, pela descrição, parece um motel. O quarto tinha uma cama e uma piscina. Disse ter sido despida pelo vereador, que, de sunga, entrou com ela no boxe, abriu o chuveiro e bateu várias vezes com a cabeça dela na parede. Também afundou sua cabeça na piscina com os pés.

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A mãe da garota explica que decidiu falar agora diante da morte de Henry e que recebeu um telefonema em tom de ameaça do vereador, com quem não falava há oito anos. “O comportamento expresso nestes relatos, independentemente de quem seja, reflete uma personalidade psicopata, típica de pessoa fria, sem sentimentos e culpa”, diz a terapeuta Lidia Aratangy. O engenheiro Borel, por seu lado, frisa que Henry mudou depois que Monique foi viver com o vereador. Semanas antes de morrer, havia inclusive começado a frequentar uma psicóloga, por causa da mudança de comportamento. “Meu filho, uma criança linda e feliz, passou a chorar desesperadamente para não voltar para a casa dela. Só queria ficar comigo e com os avós. No domingo, horas antes da morte, chegou a vomitar de tão nervoso quando o deixei no prédio”, lembra o engenheiro, que ficara com ele no fim de semana.

AMEAÇA - Borel, o pai, que teve o carro riscado com um palavrão: “Talvez ele tenha morrido para mostrar a existência de um monstro”, diz -
AMEAÇA - Borel, o pai, que teve o carro riscado com um palavrão: “Talvez ele tenha morrido para mostrar a existência de um monstro”, diz – (Fotos Reprodução/.)

Henry já tinha reclamado com o pai que o “tio Jairinho abraça muito forte” e batia nele. Borel levou a queixa a Monique, que disse ser invenção do menino e reflexo da separação (eles foram casados de 2012 a 2020). “Que mãe não ficaria desesperada para saber o que aconteceu, em vez de proteger o namorado? Não sei se ela age assim por medo ou por interesse”, diz o pai de Henry, que dias depois da tragédia teve a lateral do carro arranhada com um palavrão (veja na foto) e soube que um desconhecido esteve em seu condomínio fazendo “perguntas estranhas”.

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VEJA procurou por Monique na casa dos pais, na Zona Oeste do Rio, onde estaria morando. Enquanto aguardava, a reportagem entreouviu o avô dizendo: “A gente tem de falar a verdade desse troço”. Logo depois, abriram uma portinhola. Indagados se estavam sob ameaça, responderam apenas: “Não podemos falar”. O vereador é herdeiro político do pai, o Coronel Jairo, ex-deputado estadual apontado na CPI das Milícias de 2008 como um dos líderes da temida Liga da Justiça. Há suspeita de ligação do próprio Dr. Jairinho com a quadrilha de milicianos: ele teria participado da sessão de tortura a que jornalistas foram submetidos em uma favela.

No quinto mandato na Câmara carioca, Jairinho é tido como um vereador hábil em articulações. Antes que a morte de Henry se tornasse pública, ele ligou para o governador Cláudio Castro, contou sua versão e ouviu que cabia à Polícia Civil investigar o caso. Os colegas se dizem “incrédulos” e acham prematuro abrir processo no Conselho de Ética. A aliados, ele fala que está sendo “perseguido”. Segundo os médicos que atenderam Henry, Dr. Jairinho não queria que o corpo fosse periciado. “Meu único consolo é saber que talvez ele tenha morrido para mostrar a existência de um monstro”, resigna-se Borel. Qualquer que seja o desfecho do inquérito, a morte de Henry, barbaramente machucado, clama por justiça.

Publicado em VEJA de 7 de abril de 2021, edição nº 2732

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