Com onda de violência, Rio deixou de ganhar R$ 3,3 bi com turismo em 2023
É o que mostra um levantamento inédito da Confederação Nacional do Comércio, feito a pedido de VEJA
Poucos cantos do planeta reúnem tantos cartões-postais quanto o Rio de Janeiro. Eles enfileiram-se em uma cidade que mescla uma vida urbana rica em cultura e lazer à exuberante beleza do litoral, emoldurado por um relevo repleto de florestas e pontuado pelo Cristo Redentor. Até o clima, em geral ensolarado, conspira para fazer dessas praias um dos pontos mais admirados em todo o globo, dentro e fora do Brasil. Isso, porém, não se traduz nos rankings do turismo, mesmo quando se compara o Rio a outros destinos da América Latina — segundo uma recente pesquisa da revista americana Travel+Leisure, a peruana Cusco, a colombiana Cartagena, São Paulo e a equatoriana Quito, nessa ordem, despontam à frente da Cidade Maravilhosa, que ocupa um modesto oitavo lugar na atração de forasteiros. O resultado aquém do esperado tem raízes fincadas em um motivo nada belo: a sensação de insegurança que assombra os próprios cariocas espanta brasileiros e estrangeiros de outras partes, tão vitais para fazer as engrenagens da economia girar, sobretudo neste agitado período de férias.
A percepção sobre a violência se reflete em recentes estatísticas, como a que compara os níveis de criminalidade entre cidades latino-americanas — atualmente, no Rio, ela é em média 40% superior à das concorrentes. E o desdobramento para o caixa fluminense não é desprezível. De acordo com um levantamento inédito da Confederação Nacional do Comércio, feito a pedido de VEJA, o estado deixou de arrecadar com o turismo 3,3 bilhões de reais em 2023. Com isso, o setor representa apenas 7% do PIB local, um naco que sabidamente poderia ser bem mais generoso. “O que mais afasta o turista é a divulgação de imagens que reverberam mundialmente, de crimes violentos seguidos de morte, modalidade em que o patamar é bastante alto”, explica o economista Fabio Bentes, que coordenou a pesquisa. Também outros delitos ajudam a sedimentar o medo que faz com que as pessoas pensem duas vezes antes de fechar a passagem. “Assaltos acontecem em todos os lugares, mas no Rio eles são à mão armada e de frequência elevada”, observa Marco Pessoa, diretor da HEL Ecossistema, especializada em gestão de eventos, área que sofre com tais indicadores.
A incidência de roubos e furtos em zonas em que tipicamente os turistas se concentram, como Copacabana, na Zona Sul, vem subindo em escala preocupante, a ponto de ser assunto preferencial nas redes e nas mesas de bar. Não raro, esses crimes, que avançaram quase 40% em oito meses, se dão na forma de arrastões, produzindo aquelas cenas de bandos surrupiando a população no atacado. O crescimento dessa prática é tão impactante que voltou à cena o surreal conceito de “celular do bandido” — mais barato e sem dados armazenados. “Passei a andar com um smartphone antigo só para entregar caso seja assaltada”, conta a estudante Gisele Vieira, 22 anos. Já as caixas de som que embalam os quiosques da orla estão sendo agora acorrentadas a cadeiras para não ser roubadas pelas turbas que passam carregando tudo de valor que encontram pela frente. Vítima de um desses arrastões, um grupo de taiwaneses passeava pelo famoso Calçadão quando foi abordado por duas dezenas de marginais que lhe arrancaram celulares e joias. Eram clientes da empresa Compass Brazil, que a partir daí passaram a andar com a escolta de seguranças particulares.
Essas são ocorrências que reverberam mundo afora e alimentam a descrença no poder público, abrindo espaço para uma excrescência — a aparição de justiceiros, gente que se junta para tentar resolver a situação com as próprias mãos, linchando os delinquentes e reproduzindo, eles também, a nefasta violência. “A polícia nem faz mais nada porque prende os caras e eles acabam voltando às ruas”, tenta justificar um lutador de jiu-jítsu, que teve de prestar contas na delegacia por liderar a convocação de centenas nas redes. A ação dele e dos outros acende um alerta entre especialistas e no próprio Estado — foi no vácuo deixado historicamente pelos governantes que a praga das milícias se disseminou no Rio, até se tornarem organizadas células criminosas.
As autoridades reconhecem que a propaganda negativa gerada por episódios que ganham os holofotes em escala planetária é difícil de apagar. No show da diva pop Taylor Swift, em novembro, uma multidão foi alvo de roubos em massa na saída do estádio. O fã Gabriel Milhomem Santos, 25 anos, passou a noite na orla de Copacabana depois que um dos espetáculos foi adiado e acabou ingressando no infeliz rol das vítimas de latrocínio. “Era minha primeira vez na cidade e encontraria com ele em questão de horas, inacreditável. Nunca mais piso no Rio”, afirma a prima, Juliana Milhomem, traumatizada. Diante da profusão de histórias assim, a Polícia Militar se reuniu com representantes da prefeitura e outros integrantes das forças de segurança para traçar um plano de emprego mais racional dos agentes, numa parceria entre policiais e guardas-civis. “Precisamos nos unir e organizar melhor nossa ocupação do terreno”, reconhece o secretário da PM, Luiz Henrique Pires.
Foi essa a trilha percorrida pela cidade de Nova York nos anos de 1990, quando uma bem orquestrada iniciativa de combate aos roubos e furtos que castigavam a Broadway e outras atrações fez os índices de criminalidade despencar. O reforço ao policiamento nas regiões de maior incidência de ocorrências, adotando tecnologia para monitorar a posição dos agentes e evitar que algum ponto ficasse desguarnecido, se provou essencial. O Tolerância Zero, nome que batizou a investida contra a bandidagem, também foi implacável ao punir delitos considerados menores.
O Rio tenta agora se mexer para debelar essa praga que traz prejuízo em tantos graus. “Desde o réveillon, ampliamos os recursos tecnológicos: além das câmeras corporais nos policiais, estamos empregando um sistema de leitura facial e de placas de carros”, contou a VEJA o novo secretário de Segurança, Victor Cesar dos Santos. Na virada do ano, aliás, funcionou muito bem — prova de que, quando polícia e autoridades se empenham, os resultados vêm. Com o crime mostrando sua face em tantos níveis, se faz necessário acelerar o passo. Lindo, o Rio jamais deixará de ser. Mas precisa se tornar de uma vez por todas mais seguro para que os turistas possam aproveitar esta maravilha de cenário.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874