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Comissão para investigar crimes da ditadura divide a gestão Lula

O Ministério dos Direitos Humanos tenta reinstalar apuração sobre mortos e desaparecidos, mas governo teme a reação dos militares

Por Valmar Hupsel Filho Atualizado em 4 jun 2024, 10h23 - Publicado em 8 out 2023, 08h00
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  • Enquanto tenta estabelecer boas relações com as Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se vê no meio de um cabo de guerra em torno de um tema que causa arrepios no meio militar: a recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Familiares de pessoas que desapareceram na ditadura pressionam pela retomada dos trabalhos, encerrados na gestão de Jair Bolsonaro. O movimento conta com o apoio do ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania), que se mantém firme na ideia de reinstalar o colegiado no dia 25 de outubro, Dia da Democracia e data do assassinato do jornalista Vladimir Herzog no DOI-­Codi. Ao mesmo tempo, auxiliares do próprio governo, como o ministro José Múcio (Defesa), argumentam que não se deve mexer nesse vespeiro no momento em que os militares estão acuados, com oficiais de alta patente na mira do Congresso, da PF e do STF por suspeitas de conspiração golpista.

    A movimentação de familiares de desaparecidos pela volta da Comissão intensificou-se a partir de 26 de junho, Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, quando o grupo fez um manifesto público. Em agosto, divulgou carta a Lula na qual trata do “dever do Estado de se retratar, de forma digna, com familiares que perderam entes queridos, pelas mãos da violência perpetrada pelo terrorismo de Estado”. Publicamente, até que o governo fez alguns gestos no sentido da retomada do trabalho. No início de setembro, nos eventos de cinquenta anos do golpe no Chile, o ministro Flávio Dino (Justiça) reiterou o compromisso. Na prática, nada avançou. Almeida chegou a elaborar ato normativo para recriar o órgão, mas o documento espera aval da Casa Civil, da Justiça e da Defesa. No fim do mês, Almeida e Múcio discutiram o caso, não chegaram a acordo e ficaram de conversar de novo.

    A recriação da comissão é mais do que uma promessa de campanha de Lula. Trata-se de uma obrigação imposta por determinação judicial, que exige que o país dê continuidade até o encerramento dos trabalhos de identificação dos desaparecidos políticos e reconhecimento de que eles foram mortos por ação do Estado. Uma das frentes ainda abertas da comissão, instalada em 1995, é a da identificação das ossadas encontradas na Vala de Perus, em São Paulo, acondicionadas em 1 049 caixas no Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp. “A CEMDP ainda se faz necessária, para que a justiça de transição de fato ocorra em nosso país”, diz a advogada Maria Cristina Batista, da ONG Tortura Nunca Mais.

    Há muita dificuldade para saber qual é o número de vítimas da ditadura. Relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, apontou 243 desaparecidos, dos quais 35 foram localizados. Há estimativas de que esse número pode ser bem maior. Enquanto outros países, como a Argentina, acertaram há tempos a conta com esse período sombrio, o Brasil ainda convive com os fantasmas da ditadura. Enfrentar de uma vez por todas esse doloroso passado é a condição para o país poder seguir em frente — e em paz.

    Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862

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