Como as autoridades tentam frear a onda de assaltos feitos a bordo de motos
Um artifício vastamente adotado pela bandidagem em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo é o uso de placas falsas
Furar congestionamentos deslizando entre carros, gastando pouco combustível e com baixo investimento inicial são vantagens cada vez mais valorizadas pelos habitantes das metrópoles brasileiras. Não por acaso, a frota de motocicletas no país subiu 52% na última década e já ultrapassa 36 milhões de unidades. O avanço foi impulsionado também pela adesão em massa de trabalhadores autônomos aos serviços de entrega, ofício que é hoje fonte de sustento para milhões de famílias. O que se apresenta como solução de mobilidade, porém, tornou-se uma ameaça à segurança pública. Esses veículos leves, ágeis e difíceis de rastrear são como armas nas mãos de criminosos que cometem assaltos-relâmpago em qualquer esquina e à luz do dia. As ações, que escalam em volume e ousadia, envolvem motos roubadas, placas clonadas e disfarces de motoboy — combinação que facilita a fuga e conspira para a impunidade.
Embora não haja dados oficiais consolidados, as autoridades reconhecem que os veículos de duas rodas respondem pela maior fatia dos roubos de rua. “A moto é usada em 90% desses crimes”, afirmou a VEJA o secretário estadual de Segurança do Rio de Janeiro, Victor Santos. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, classifica o fenômeno como “epidemia”. Uma recente pesquisa Datafolha mostra que oito de cada dez brasileiros têm medo de assalto quando motos se aproximam. O roteiro mais conhecido dos ataques chama atenção pela velocidade: os ladrões chegam perto, exibem a arma e, em segundos, levam celular, carteira e joias. Há poucos dias, um homem vestido de entregador roubou cinco pedestres em sequência na Rua Joaquim Antunes, na Zona Oeste paulistana. Ao reagir, um deles acabou baleado, mas sobreviveu. Teve sorte. Em janeiro, ocorrência idêntica no mesmo endereço terminou em morte.
A crescente incidência de casos já altera o cotidiano nas capitais. A dentista Tammy Martins, 34 anos, passou a buscar a filha a pé na escola depois de ser abordada dentro do carro em um cruzamento na Zona Sul carioca. “O bandido na moto bateu com a arma no vidro pedindo para eu abrir”, lembra ela, que obedeceu, entregando o celular, e se amoldou às circunstâncias. “Agora, fico atenta ao retrovisor e bloqueio a passagem das motos colocando meu carro perto do veículo ao lado”, diz. À medida que o cerco aperta, o crime também se adapta. Duplas de assaltantes evitam hoje dividir a mesma moto, um arranjo já manjado — tal como ocorreu no assassinato do ciclista Vitor Medrado, na capital paulista. Sem esboçar qualquer reação diante da aproximação de seus algozes, foi alvejado por um homem sentado na garupa do comparsa. “Os bandidos continuam atuando juntos, mas agora utilizam duas ou três motos para cercar a vítima”, explica Orlando Morando, secretário municipal de Segurança Urbana de São Paulo.
Um artifício vastamente adotado pela bandidagem é o uso de placas falsas. O novo padrão do Mercosul, que substituiu o lacre metálico por um QR code, acabou facilitando a fraude. Chapas adulteradas são vendidas na internet por até 20 reais e circulam livremente. O sistema de monitoramento com inteligência artificial da prefeitura paulistana identificou 5 578 delas somente em setembro — 4 802, curiosamente, com a sequência BRA49CC. A pedido do prefeito Ricardo Nunes (MDB), o Ministério dos Transportes analisa a volta das placas presas por lacre, o que depende de uma avaliação do Tribunal de Contas da União. Os municípios, enquanto isso, já reforçam o trabalho de campo. Em São Paulo, a Guarda Civil Metropolitana apreendeu no mês passado mais de 200 motos, parte roubada e furtada, sob o estímulo de um bônus de 1 000 reais por exemplar recuperado. No Rio, o governo estadual criou o Batalhão Tático de Motociclistas, com 250 agentes que patrulham em pares — um pilota, o outro empunha o fuzil.
Em meio ao aumento das operações, não raro entregadores a bordo de motos acabam confundidos com bandidos e são alvo de indevidas abordagens. “Fiquei ajoelhado quarenta minutos sob a mira de uma arma até tudo se esclarecer”, relata o motoboy Gustavo Rocha, 30 anos, de São Paulo. O conjunto desses episódios se desdobrou em um movimento nacional da categoria em prol do cumprimento da lei que estabelece uma placa vermelha para profissionais do setor. “Para o bandido se passar por entregador basta usar mochila e jaqueta, das quais se livra logo após o assalto”, alerta Edgar Francisco da Silva, presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos. A justiça, diz o ditado, costuma vir a cavalo, mas o crime, nos dias de hoje, anda motorizado.
Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2025, edição nº 2966







