
Na canção popular, Chico Buarque de Hollanda, por meio de lindas melodias e letras inigualáveis, tratou de contar a história do Brasil desde os tempos duros da ditadura militar até a democratização — e a conquista do amor perdido era a metáfora da liberdade reconquistada de “nossa pátria-mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída”. No teatro e nas novelas de televisão, a batuta foi conduzida por Dias Gomes. Na literatura, Lygia Fagundes Telles tingiu de feminismo os direitos das mulheres, de mãos dadas com os humores da sociedade em renovação. Nas telas grandes, a biografia do Brasil foi desenhada por Cacá Diegues. Desde um dos segmentos de Cinco Vezes Favela, de 1962 — “Escola de Samba Alegria de Viver” —, um dos passos iniciais do chamado Cinema Novo, liderado por Glauber Rocha, até o derradeiro longa, em pós-produção, Deus Ainda É Brasileiro, o cineasta, nascido em Alagoas e radicado no Rio de Janeiro, acompanhou os humores de um país a um passo do precipício — e em eterna contradição.
Formado politicamente pela militância do Centro Popular de Cultura, o CPC dos anos 1960, ele soube, como poucos de seus companheiros, trilhar os caminhos abertos pela lenta distensão — sem nunca perder a ternura e as convicções de um ativista de esquerda. Em 1978, logo depois do lançamento de Xica da Silva, com Zezé Motta no papel principal, ele deu uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que se tornaria célebre pelo anúncio de uma expressão: a “patrulha ideológica”, de que era vítima, pressionado por companheiros mais radicais que não enxergavam a argúcia de Diegues ao medir a descompressão pela qual passava o país. Era, em suas palavras, “um sistema de cobrança” contra artistas que, supostamente, se distanciavam da “pauta nacional-popular”. Corajoso, seguiu em frente. E então, em 1980, no período da abertura, nos estertores do tempo dos generais, dirigiu uma obra-prima, Bye Bye Brasil.
O filme parece um road movie de uma trupe circense, mas é, de fato, a crônica da nação que tentava respirar ao sair da tragédia. A canção-título, de Chico Buarque, servia à perfeição às intenções do trabalho: “Eu penso em vocês night and day / explica que tá tudo okay / eu só ando dentro da lei / eu quero voltar, podes crer / eu vi um Brasil na tevê”. O diretor Walter Salles, de Ainda Estou Aqui, lamentou a morte de Diegues, em 14 de fevereiro, aos 84 anos, com uma reverência: “Perdi um amigo e um farol. Era um mestre amoroso e lúcido, de profunda inteligência e generosidade”. Observador agudo, embora delicado, em uma de suas últimas crônicas para O Globo, Diegues fez questão de celebrar a excelência do filme candidato a três Oscars: “Ainda Estou Aqui é capaz de nos comover e indicar os males que nos incomodam e perturbam nossa existência numa determinada situação social cujas raízes não temos como eliminar”.
“De noite ou de dia”

“De noite ou de dia / firme ao volante / vai pela rodovia / bravo vigilante.” A canção-tema anunciava o início de um novo capítulo do seriado O Vigilante Rodoviário, exibido pela TV Tupi, de São Paulo, de 1961 a 1967 e depois reprisada pela Globo, nos anos 1970. Em um tempo de acelerada construção de estradas, o policial vivido pelo ator Carlos Miranda era o herói possível. Sempre ao lado do cão pastor-alemão Lobo, em um Simca Chambord amarelo ou numa moto Harley-Davidson, vivia uma aventura a cada episódio — foram 38. Depois do sucesso, seria convidado a entrar nas fileiras da PM. Serviu durante 25 anos. Morreu em 17 de fevereiro, aos 91 anos.
Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932