Cometido quase sempre apenas na presença da vítima, o crime de abuso sexual é um dos mais difíceis de ser comprovado nos tribunais. A discussão volta à tona com a prisão do médium João de Deus no domingo 16. Uma força-tarefa recebeu mais de 500 denúncias de mulheres, que dizem ter sido abusadas pelo líder espiritual. Ele nega os crimes e não há até o momento relatos de testemunhas ou provas materiais que comprovem as versões já apresentadas. Mesmo assim, a situação não impede uma eventual condenação.
O advogado João Paulo Martinelli, professor de Direito Penal do IDP-São Paulo, explica que este é um crime que não deixa vestígios e, muitas vezes, não há registro de ocorrência. “Deve haver uma avaliação cautelosa para buscar coerência e harmonia entre os fatos narrados. O sistema processual penal brasileiro não impõe maior ou menor valor ao depoimento da vítima como prova, porém, o juiz deve fundamentar na sentença qual o valor que ele, juiz, atribuiu aos depoimentos”, afirma.
O criminalista Luciano Santoro, sócio do Fincatti Santoro Sociedade de Advogados, explica que, justamente pela dificuldade de comprovação, a palavra de uma vítima pode ter peso maior. “Normalmente, tende-se a achar que quando há uma palavra contra a outra, a decisão justa seria absolver por insuficiência de provas. Entretanto, as decisões dos tribunais brasileiros pendem a conferir maior peso às vítimas de determinados crimes, como os que violam a dignidade sexual, justamente por serem praticados, em regra, em ambientes fechados, escondidos de terceiros. Isso não quer dizer que o processo não deva vir acompanhado de outros indícios que corroborem as afirmações da vítima”, afirma.
O criminalista Adib Abdouni segue o mesmo raciocínio de Santoro e diz que uma eventual condenação penal com base nas declarações de uma multiplicidade de vítimas não ofende o legislação ou a Constituição. “Os relatos apresentados — com apuração pretérita de que não teriam motivo pessoal para levianamente incriminar um inocente – devem apresentar coesão e harmonia na contextualização da repetição do modo de agir e das características das agressões sexuais, conferindo a necessária e indispensável credibilidade à prova oral produzida”, conclui Adib.
Fernando Castelo Branco, criminalista e coordenador do curso de pós-graduação de direito penal do IDP-São Paulo, destaca que os relatos até o momento trazem uma “linha homogênea da prática do investigado”. A exemplo de outros especialistas, ele também ressalta a importância do depoimento das vítimas. “Nos crimes sexuais, sem possibilidade de exame de corpo de delito e prova testemunhal, ganha especial relevância a palavra da vítima.”
Habeas corpus
João de Deus está preso desde domingo e, nesta segunda-feira, o advogado Alberto Toron entrou com um pedido de habeas corpus. Caso a solicitação seja negada, a estratégia da defesa será pedir que se adotem medidas cautelares em vez da prisão. Entre as opções cogitadas pelo defensor estão a prisão domiciliar, uso de de tornozeleira eletrônica e a proibição de o médium exercer seu ofício.
O advogado cita também o estado de saúde de seu cliente para tirá-lo do Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia, a 20 quilômetros da capital. “Ele deu uma mostra clara de que respeita a Justiça. Esperamos que haja sensibilidade e que seja feita uma opção de menor custo para o Estado e para o João de Deus, como uma prisão domiciliar”, afirmou.