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Disputa por sucessão presidencial já causa atritos entre ministros de Lula

A corrida no campo da esquerda provoca as primeiras fissuras na aliança política que elegeu o petista

Por Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 10h31 - Publicado em 17 jun 2023, 08h00

Não há vácuo de poder na política. Antes mesmo de um governante, um dirigente partidário ou um líder parlamentar deixar o posto, já há um bloco de sucessores de prontidão para assumir a vaga. A fila, ensina a sabedoria popular, anda depressa. No campo da direita, Jair Bolsonaro é considerado o nome natural para disputar o Palácio do Planalto em 2026 caso não seja considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como são grandes as chances de ele perder os direitos políticos, pelo menos quatro governadores sonham em substituir o capitão e concorrer com o apoio dele. Na esquerda, Lula quase nunca deu espaço para o crescimento de alternativas a seu nome. Em nove eleições presidenciais realizadas desde a redemocratização, ele participou de seis. Nas outras três, não disputou porque a Constituição não permitiu (2010), porque Dilma Rousseff resistiu à pressão de parlamentares e empresários para abrir mão da reeleição em nome do chefe (2014) e porque Lula estava preso e inelegível (2018). Maior do que o PT, o presidente segura e dita o ritmo da fila de seu partido há mais de trinta anos.

Pelas regras atuais, Lula pode tentar um quarto mandato na próxima sucessão presidencial. Na campanha eleitoral passada, ele rechaçou essa possibilidade, mas, depois de assumir o cargo, parou de descartar a ideia. Ninguém em seu entorno sabe se ele será ou não candidato novamente. Diante da aparente indefinição, proliferam nomes cotados para suce­der-lhe, com destaque para ministros poderosos da atual administração, que duelam sobre o mérito de medidas oficiais, travam disputas fratricidas de poder e não escondem o desejo de um dia chegar à Presidência. A movimentação na esquerda é tamanha que levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a abordar o tema com Lula. Num café da manhã entre os dois, o deputado disse que os ministros com pretensões presidenciais boicotam uns aos outros e, assim, atrapalham o funcionamento da máquina pública. “Presidente, diga que é candidato e acaba logo com isso”, recomendou Lira. Lula, até agora, não seguiu o conselho e, se honrar o seu histórico, não seguirá. Ele gosta de fomentar a rivalidade entre seus principais auxiliares, exatamente como fez com José Dirceu e Antonio Palocci, que sonharam com o Planalto antes de serem abatidos por escândalos de corrupção.

ASCENSÃO - Haddad: aos poucos, o ministro vai conquistando espaços
ASCENSÃO - Haddad: aos poucos, o ministro vai conquistando espaços (Diogo Zacarias/MF/.)

Caso Lula desista da reeleição, o favorito hoje dentro do PT para ser o concorrente do partido em 2026 é o ministro da Fazenda, Fernando Had­dad, que, apesar de não ter tanto prestígio na engrenagem partidária, conta com a admiração e a confiança do chefe. Derrotado por Jair Bolsonaro no segundo turno em 2018, Haddad é um quadro em ascensão principalmente fora do território petista. No início do governo, quando havia dúvidas sobre a sua autonomia para definir os rumos da política econômica, ele fracassou na tentativa de reonerar os combustíveis, medida que só foi adotada meses depois. Na época, prevaleceu o entendimento de que a reoneração já em janeiro teria impacto na inflação e prejudicaria a popularidade de Lula logo na largada. Haddad matou a derrota no peito e pouco a pouco foi ganhando terreno. Na economia, ele conseguiu neutralizar falas intervencionistas e estatizantes de Lula e reverter expectativas ruins em indicadores como inflação, desempenho do PIB e juros (leia a matéria na pág. 50). Atores importantes deixaram de lado o ceticismo e passaram a se referir a ele com elogios. O ministro também avançou algumas casas na política. Diante das críticas de parlamentares aos articuladores do governo, ele assumiu a linha de frente das negociações para a aprovação do novo marco fiscal e da reforma tributária, projetos prioritários que agora parecem bem encaminhados.

TROPEÇOS - Rui: desgaste com colegas e rusgas com o chamado Centrão são obstáculos
TROPEÇOS - Rui: desgaste com colegas e rusgas com o chamado Centrão são obstáculos (Ton Molina/Fotoarena/.)
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Há muito chão até 2026, mas tanto Lula quanto Haddad sabem que, se a economia for bem, são grandes as chances de o PT ser bem-sucedido na próxima campanha. Em entrevista a VEJA no fim de maio, o ministro afirmou que o fato de ser considerado um potencial candidato a presidente não influencia seu trabalho. “Quando se deixa picar pela mosca azul, você se atrapalha muito. Já vi muita gente boa tropeçar na própria ambição”, declarou. Outro ministro considerado presidenciável é o chefe da Casa Civil, Rui Costa, que até aqui faz uma trajetória inversa à de Haddad, de quem discordou, em janeiro, na questão da reoneração dos combustíveis. Ex-governador da Bahia, Costa tem perfil técnico e chegou a Brasília propagando a fama de tocador de obras, retratada no apelido de “Rui Correria”. Segundo o próprio Lula, o ex-governador seria a nova versão de Dilma, só que de calças. A falta de tato político parece ser parecida à da antecessora na Casa Civil. Em seis meses de governo, Costa se desgastou com colegas de ministério, que o acusam de ser um trator, e se tornou o principal desafeto do Centrão, que está cobrando caro para aderir a Lula.

LEALDADE - Alckmin: o vice não descarta a hipótese de concorrer em 2026 desde que tenha o aval do chefe
LEALDADE - Alckmin: o vice não descarta a hipótese de concorrer em 2026 desde que tenha o aval do chefe (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os líderes do bloco responsabilizam o chefe da Casa Civil pelo descumprimento de acordos políticos e, em conversas reservadas, referem-se a ele como “troglodita” e “desleal”. Arthur Lira chegou a sugerir a Lula que o demitisse. Nada feito. Fritado em público, Rui Costa trabalha para lançar a nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a mesma iniciativa que serviu de palanque e alavanca política para Dilma. Se deu certo com ela, pode funcionar com ele. Afinal, a decisão sobre o futuro candidato do PT a presidente passará por Lula, e não por Lira e companhia. Cotada para disputar com Jair Bolsonaro em 2018, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também se inclui na lista de possíveis sucessores de Lula. Gleisi discordou publicamente de Haddad nos casos da reoneração e do marco fiscal, mas depois, diante do fortalecimento do ministro da Fazenda, submergiu. Seu discurso sectário, que já causou marola para o governo, dificulta suas pretensões pessoais.

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POR FORA - Dino: o PT está incomodado com protagonismo do ministro
POR FORA - Dino: o PT está incomodado com protagonismo do ministro (Andre Ribeiro/Futura Press)

Fora do PT, também há presidenciáveis emergindo. No PSB, por exemplo, são dois. Um deles é o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. Reconhecidamente um político leal, o ex-­tucano e neossocialista só embarcará numa nova aventura presidencial, segundo colegas de partido, se for convocado por Lula para cumprir a missão. Apesar de sua notória discrição, Alckmin não tem jogado parado. No fim de maio, anunciou as linhas gerais de um programa de incentivo de venda de carros populares. Na ocasião, pegou de surpresa Haddad, para quem a iniciativa ainda precisava ser mais estudada. Alck­min é hoje o principal interlocutor de Lula com a indústria. De perfil conservador, ele ainda tem, em tese, boa entrada no eleitorado de direita, o que pode lhe servir de trunfo numa futura negociação sobre eventual candidatura presidencial. No PSB, há quem defenda, por exemplo, Alckmin na cabeça da chapa e Haddad de vice em 2026, caso Lula não concorra. Sonhar não custa nada. Outro nome especulado no PSB é o titular da Justiça, Flávio Dino. Sua atuação tem incomodado o PT, que reclama de busca exagerada por protagonismo. Dino, de fato, se posiciona muito publicamente e geralmente repercute de forma positiva na bolha de esquerda, que o festeja no universo digital.

ESPECULAÇÃO - Janja: a primeira-dama é considerada como alternativa a ser testada a depender das circunstâncias
ESPECULAÇÃO - Janja: a primeira-dama é considerada como alternativa a ser testada a depender das circunstâncias (Fernando Bizerra/EFE)
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Levantamento da Quaest Consultoria divulgado com exclusividade pelo site de VEJA mostrou que Dino assumiu em abril o posto de ministro mais popular nas redes sociais, superando Haddad, que liderou entre janeiro e março. A inversão de posições ocorreu num momento em que Dino intensificou seus embates com a oposição, especialmente durante audiências em comissões do Congresso. Na linguagem típica das redes, nas audiências o ministro “lacrou”, a mesma expressão que era usada por eleitores de direita para definir a atuação de um antigo deputado do baixo clero que mais tarde conquistaria a Presidência. Além de Dino, petistas reclamam do protagonismo da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, que tem demonstrado poder para fazer nomeações, interferir na agenda de Lula e dar ordens a ministros de Estado. Nas rodas de conversa em Brasília, Janja não é descartada como uma futura candidata, inclusive a presidente. Ela seria a versão petista da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, uma alternativa que, mesmo aparentemente inviável, poderia ser testada no futuro a depender das circunstâncias. Não há limites para especulações. Movimentada desde já, a disputa na esquerda pode mudar muito até 2026. É comum que nomes aparentemente consolidados desistam ou sejam obrigados a desistir. O período de quatro anos entre as eleições e as mudanças no cenário político também permitem que novidades e azarões se lancem no páreo. Apesar disso, uma coisa é certa: a fila só andará se Lula, quase onipresente em eleições presidenciais, desistir da reeleição. Pelo histórico do presidente, poucos acreditam nessa possibilidade.

Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846

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