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“Ela rasgou o meu rosto”

A estudante de enfermagem Stefani Firmo, 23 anos, fala do brutal ataque que sofreu em uma viagem de ônibus

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 11h00 - Publicado em 17 dez 2022, 08h00
Stefani Firmo -
Stefani Firmo – (//Arquivo pessoal)

Quando falo às pessoas da brutalidade da qual fui alvo, todas dizem que nunca viram nada igual. Passei dias sem conseguir dormir direito, tentando assimilar o que tinha me ocorrido, uma violência absolutamente gratuita. A gente até imagina que possa se envolver em um acidente de carro ou ser ferida em um assalto, mas nunca que será atacada sem razão alguma por uma pessoa desconhecida. Foi o que vivi na madrugada de 29 de novembro, enquanto dormia dentro de um ônibus, em uma viagem entre o Recife e Salvador. Eu e uma amiga tínhamos ido fazer uma prova para residência em hospitais na área de enfermagem. Na volta, como o veículo estava bem vazio, aproveitamos para deitar separadas. Com um pouco de dor de garganta, levantei no meio da noite para pegar um remédio que estava com essa amiga. Nesse instante, reparei que a única pessoa acordada era uma mulher sentada na poltrona bem atrás de mim. Retornei ao meu lugar e deitei com a cabeça junto à janela. Logo senti alguém mexer devagarinho no meu cabelo e o puxei para a frente. Ali, me veio à cabeça a ideia maluca de que poderiam estar tentando cortá-lo. Mas o que me aguardava era bem pior.

Adormeci novamente e aí, de repente, senti um forte impacto no rosto e uma enorme ardência. Ao abrir os olhos, atordoada, não vi nada de anormal. A princípio, pensei que algum objeto tinha se desprendido do interior do ônibus e, por azar, me atingido. Ainda sem entender o que acontecera, fui pedir socorro a minha amiga, enquanto o sangue escorria pelo rosto e encharcava minha roupa. Com o barulho, passageiros começaram a acordar e a oferecer ajuda. Embora eu estivesse aos prantos e em estado de choque, me chamou atenção, mais uma vez, o comportamento da mulher na cadeira de trás. Ela não demonstrou nenhuma reação, permanecia assus­tadoramente fria diante da confusão. O único momento em que transpareceu certa inquietação foi quando o motorista avisou que ninguém poderia sair e o trajeto seria desviado para uma delegacia. Soube depois que ela ficou vinte minutos trancada no banheiro. Talvez estivesse tentando se livrar do artefato que usou para me ferir. O mais impressionante é que não troquei uma palavra ou um olhar sequer com essa mulher, investigada pela polícia como suspeita.

Na delegacia onde ela prestou depoimento, foram apreendidos em sua bagagem uma faca de churrasco, uma tesoura e um estilete, sob análise da perícia. Um vídeo da câmera instalada no ônibus também flagrou uma movimentação estranha e muito rápida atrás da minha poltrona no exato momento da agressão. Sempre fui vaidosa e adorava tirar fotos. Agora, estou evitando. O objeto usado para me atacar rasgou o meu rosto da altura da boca até quase a orelha. Levei dezoito pontos. Ao ser atendida em uma emergência, ainda desnorteada, fiquei mais assustada quando os médicos disseram que corri grande risco. O corte foi a poucos centímetros da veia jugular. Ela só não conseguiu alcançar meu pescoço porque eu estava enrolada com um cobertor próximo ao rosto. Podia ter morrido por nada.

Estou refletindo muito e tentando superar o que aconteceu, com a ajuda de uma onda de solidariedade que vem de todos os lados. Tenho usado cremes para ajudar na cicatrização e proteger o rosto do sol. Espero estar melhor na minha formatura, em fevereiro. Nasci em São Paulo e vivo com os meus pais e irmãos em Itabuna, no interior da Ba­hia. Batalhamos por uma vida melhor. Serei a primeira pessoa da família a conquistar um diploma universitário. Sempre sonhei com esse momento e em ajudar pessoas com a minha profissão de enfermeira. Hoje, junto a isso que tanto me move, meu desejo é que seja feita justiça. É o mínimo para reparar essa ferida que carregarei comigo.

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Stefani Firmo em depoimento dado a Sofia Cerqueira

Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

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