Empresas que se posicionam na política sofrem com ameaças de boicote
Marcas como Centauro, Madero, Mundo Verde e SmartFit enfrentam o rigoroso tribunal da internet
O preço de se posicionar politicamente nunca foi tão alto para os empresários brasileiros. Nas últimas semanas, marcas cujos donos ou sócios têm se colocado a favor de Jair Bolsonaro ou contra adversários políticos dele têm sido alvo de boicotes.
Foi o que aconteceu com as redes de lojas Centauro, Havan e Riachuelo, com as academias Bio Ritmo e Smart Fit e com as cadeias de restaurantes Coco Bambu e Madero. Os fundadores ou controladores dessas empresas demonstraram, durante a pandemia e em maior ou menor grau, apoio ao presidente brasileiro, com alguns chegando a se engajar nas manifestações favoráveis ao governo Bolsonaro.
De acordo com Francisco Saraiva Júnior, especialista em branding da Fundação Getúlio Vargas, muitas marcas que não tinham o costume de manifestar-se sobre temas da atualidade passaram a fazer isso. “Essa situação é bem específica do momento em que vivemos, com a adesão às redes sociais”, diz o especialista. “Graças a elas, a nossa relação com as empresas mudou. Elas estão mais humanas, mais próximas de nós. Elas propõem diálogo. O consumidor agora espera que a marca expresse seus valores e posicionamentos.”
A rede restaurantes Madero foi um das primeiras a sofrer com o tribunal da internet. Seu dono, Junior Durski, gravou, em março, um vídeo em que declarava apoio às manifestações pró-Bolsonaro de 15 de março. “Estou 100% com o presidente Jair Bolsonaro, em quem eu tenho muito orgulho de ter votado, de ter trabalhado na campanha, de ter ido para a rua todas as vezes em que tivemos que ir e que vamos de novo para as ruas”, disse. Além disso, Durski afirmou que o impacto econômico da crise é pior do que as mortes decorrentes do novo coronavírus.
Resultado: logo após o pronunciamento do empresário, um dos temas mais comentados do Twitter era a hashtag #MaderoNuncaMais. Desde então, Junior Durski chegou a anunciar que um de seus restaurantes em Curitiba, que costumava receber 400 clientes por dia, está servindo cerca de 30 pessoas diariamente.
A marca Havan também tem sofrido as consequências do explícito apoio de seu dono, Luciano Hang, ao presidente. A rede tentou incluir em seu portfólio alguns itens de cesta básica, como arroz, feijão e óleo de soja, em uma tentativa de ser incluída na categoria de supermercados e evitar o fechamento obrigatório de suas lojas. A medida desagradou a muitos nas redes sociais, onde se tem pedido o boicote à marca.
O empresário Carlos Wizard, sócio de marcas como Mundo Verde, Pizza Hut e Topper, é outro que pode sentir no bolso as consequências de se envolver com o governo. Ao longo das últimas semanas, ele vinha participando de reuniões do Ministério da Saúde e chegou a ter seu nome anunciado como integrante da pasta. Wizard, porém, defendeu iniciativas questionáveis como a recontagem de mortes pela pandemia e, ato contínuo, recebeu uma enxurrada de críticas na internet. A maioria delas pregava boicotes a 20 marcas empresariais ligadas à sua família.
“O posicionamento das marcas é muito complexo, sobretudo quanto a assuntos delicados como política. É algo que eu realmente não recomendo”, afirma Saraiva. “É melhor a marca manifestar o que tem feito para ajudar a sociedade.” Para as empresas, portanto, vale a recomendação: antes de se posicionar, deve-se medir os efeitos econômicos de seus discursos. “Com as redes sociais, vemos um verdadeiro ativismo digital, algo inédito na história. O relacionamento com as marcas mudou, assim como o poder de propagação das mensagens.”
A rede de academias Smart Fit também foi alvo da fúria das redes sociais Seu fundador, Edgard Corona, teria compartilhado por WhatsApp vídeos de ataques ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, defendendo a propagação desse tipo de conteúdo. Vale lembrar que, em diversas ocasiões, os discursos de Jair Bolsonaro tiveram Maia e o Congresso como alvos.
Edgard Corona tem outra visão de seu comportamento nas redes sociais: em dezembro de 2019, como liderança do setor, criticou a Reforma Tributária que, segundo ele, mais que dobraria a carga de impostos do segmento, e que, portanto, não teria feito nenhum ataque a Rodrigo Maia ou ao Congresso.