Envolvimento de policiais de SP com crime organizado põe secretário sob pressão
Caso reforça alerta nacional sobre a infiltração dessas facções nas forças de segurança

Pelos critérios internacionais, o crime organizado começa a sair do controle quando as facções passam a se infiltrar nas instituições. O Brasil pode estar chegando a um ponto crítico e o esforço para a limpeza das forças de segurança realizado no momento em São Paulo é um exemplo do tamanho do desafio para tentar barrar esse processo. A crise começou com o assassinato à luz do dia do empresário Vinícius Gritzbach na área de desembarque do aeroporto mais movimentado do país, o GRU Airport, em Guarulhos, nos arredores de São Paulo, em novembro passado. Gritzbach estava no meio de um processo de delação premiada no qual prometia entregar membros do Primeiro Comando da Capital (PCC) e agentes corruptos ligados a essa facção. Até a última quinta, 13, na esteira da investigação sobre o caso, 22 policiais, entre civis e militares, foram presos por envolvimento no crime. Um mandado de prisão também foi expedido para um traficante ligado ao PCC, suspeito de ser o mandante . Até o final da tarde ele ainda não havia sido localizado.

Além do alto número de envolvidos, impressiona o fato de vários deles ocuparem cargos de chefia em setores importantes da segurança. Um deles é Fábio Pinheiro, o Fábio Caipira, ex-chefe do Departamento de Investigações Criminais (Deic). Outro exemplo graúdo é o delegado Fábio Baena, que atuava no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e agora está preso. Acabaram sendo detidos também os investigadores Rogério de Almeida Felício, conhecido como Rogerinho, e Eduardo Monteiro, que é sobrinho da Corregedora-Geral da Polícia Civil, Rosemeire Monteiro de Francisco Ibanez (ela pediu afastamento das funções com a repercussão do caso).
A crise vem gerando enorme pressão sob Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Deputado federal pelo PL, ele é uma das peças mais importantes da equipe de Tarcísio de Freitas, a ponto de ser cotado como um possível sucessor do chefe nas eleições de 2026, caso o governador deixe o Palácio dos Bandeirantes para tentar concorrer à Presidência da República. À frente da Segurança, Derrite implementou uma política de linha dura no combate ao crime, obtendo vitórias importantes, como na redução do número de furtos e roubos nos últimos anos. Houve também no período um crescimento expressivo na letalidade policial, de 407 para 676 ocorrências entre 2023 e 2024. Em dezembro, a oposição política paulista chegou a pedir o impeachment de Derrite. O governador Tarcísio de Freitas não parece disposto até o momento a mexer no comando da Secretaria de Segurança. O argumento de Derrite para justificar o aumento da letalidade é o de que ele promoveu um cerco maior ao crime organizado. “Os confrontos aconteceram não por desejo nosso, e, sim, por necessidade”, disse ele em entrevista a VEJA no ano passado. “Para mim, bandido bom é bandido preso, e cumprindo pena”, completou.
Antes uma espécie de unanimidade dentro do governo, Derrite passou a ser cada vez mais questionado, e até seu comportamento fora da pasta virou objeto de críticas. Horas depois do assassinato de Gritzbach, o secretário foi visto curtindo a vida adoidado em uma balada à beira-mar em Maresias, praia do Litoral Norte paulista, no aniversário do deputado federal Mauricio Neves (PP), cuja proximidade com Derrite levanta desconfianças dentro do PL. Isso por conta do receio de que o ex-capitão troque de sigla, apesar de ter sido alçado à secretaria avalizado pelo bolsonarismo. Derrite também costuma andar de jatinho e helicóptero com empresários com os quais tem amizade, pegando caronas em viagens até para fora do Brasil.
O começo da sua carreira, entretanto, foi bem diferente disso. Ele entrou para a PM paulista em 2003, com 19 anos, e, aos 26, era tenente das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, a Rota. Ele teria saído desse batalhão de elite por excesso de mortes. Em uma entrevista concedida em 2021, justificou o fim da carreira por lá da seguinte forma: “A real? Porque eu matei muito ladrão”. Quando foi eleito deputado federal, em 2018, na onda bolsonarista, estava no Corpo de Bombeiros. Na Câmara, Derrite chegou a ser vice-líder da oposição, credenciado como uma das maiores vozes do populismo penal que o reelegeu em 2022. Apesar de estar licenciado do cargo, não tirou de vista o Congresso: em março do ano passado, licenciou-se temporariamente da secretaria para relatar um projeto contra as “saidinhas” temporárias de presos.

Na última semana, dentro da tentativa de mostrar um esforço real de limpeza da tropa, Derrite trocou o comando de importantes departamentos, entre eles o responsável pela Inteligência da Polícia Civil, e fez um rearranjo no Demacro, a Polícia Judiciária da Macro São Paulo, e o braço “correspondente” em Santos, o Deinter 6, responsável por toda a Baixada Santista. Essa foi a segunda dança das cadeiras em menos de dois meses. Em janeiro, houve mudanças no Deic, no Denarc (Investigações sobre Entorpecentes) e na Corregedoria.
Em um movimento paralelo, o governador Tarcísio de Freitas assinou a criação de um comitê extraordinário reunindo forças de segurança, Ministério Público e Defensoria. No discurso oficial, o objetivo é o de qualificar as políticas públicas para a área de segurança. Nos bastidores o gesto foi entendido como uma espécie de intervenção de Tarcísio para tentar colocar ordem na casa. Considerando-se que a segurança é hoje uma das principais preocupações dos eleitores, o governador tem consciência de que o futuro político dele, seja por mais quatro anos no Palácio dos Bandeirantes, seja na tentativa de alçar um voo nacional em 2026, depende muito dos resultados de sua gestão nessa área. Ele não dá sinais de que irá mudar a política de linha dura de combate ao crime, mas vem modulando nos últimos tempos o discurso diante das críticas. Há um ano, questionado sobre as denúncias de violência policial nas operações no litoral paulista, reagiu de forma dura. “Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta”, disse, referindo-se às ameaças dos críticos de levar a discussão para autoridades internacionais. Meses depois, entretanto, abrandou o tom e até admitiu voltar atrás em alguns pontos, como o da resistência dele em colocar câmeras corporais nos PMs. “Eu estava errado e, ao estudar melhor o problema, mudei de opinião”, justificou.

A escalada do envolvimento de integrantes da força policial com o crime organizado não preocupa apenas as autoridades do Palácio dos Bandeirantes. O problema ligado também o alerta no Judiciário. Em reunião do Conselho Superior do Ministério Público, em 4 de fevereiro, o conselheiro e procurador do MP-SP Valter Foletto Santin afirmou que o crime organizado está “tendo a capacidade” de ingressar nos órgãos policiais, o que, segundo ele, “enfraqueceu as instituições”. O tema voltou a ser comentado na reunião do Órgão Especial do Colégio de Procuradores do MPSP da quarta 12. O procurador-Geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, disse ver com “preocupação” o “controle externo” da atividade policial.
O constrangimento da tropa é evidente e há um esforço para tentar separar as chamadas “laranjas podres”. “Aqueles que cometem irregularidades são casos isolados e não representam os mais de 2 600 delegados do estado”, ponderou a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de SP (Sindpesp), Jacqueline Valadares. O argumento parece muito razoável, mas qualquer nível de infiltração do crime organizado nas forças de segurança representa um enorme desafio. Para um país que já sofre com a escalada do poderio das facções, a tragédia maior seria ter essas organizações fazendo alianças com policiais-bandidos. Por isso, a limpeza da tropa passou a ser uma ação prioritária, como mostra a crise no maior estado brasileiro.
Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931