Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

‘Esse monstro não pode ficar impune’, diz vítima de João de Deus

Andrea Mannelli lamenta a ida dele para a prisão domiciliar

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 13h35 - Publicado em 9 out 2021, 08h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • ANDREA MANNELLI -
    ANDREA MANNELLI – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/.)

    Em agosto de 2010, a minha mãe começou a se sentir mal. Iniciamos uma peregrinação a hospitais e acabamos indo a um médico muito frio. Ele disse que minha mãe tinha câncer e que era provável que ela morreria na cirurgia. Isso tirou a nossa fé e esperança. Nesse meio-tempo, a minha irmã falou sobre um lugar em Goiás onde se operavam milagres. Minha mãe quis experimentar, impulsionada pela vontade de viver. Desesperadas, fomos a Abadiânia.

    Estávamos fragilizadas e a vulnerabilidade é um componente importante em Abadiânia. Eu apresentava um quadro de choro e desequilíbrio emocional. Pessoas vieram falar conosco, mas o que parecia ser o início de um tratamento era, na verdade, uma coleta de informações de vítimas em potencial, aquelas que possuíam um perfil que agradaria a João. Logo perceberam que eu era a mais vulnerável e por isso seria o alvo ideal.

    Na hora do atendimento de minha mãe, fui separada da família. Não questionei, pois não queria criar conflitos com aquelas pessoas que, afinal, estavam sendo atenciosas. Depois, fui levada para uma sala, onde me deram um copo de água que, lembro muito bem, deixa as pessoas entorpecidas. Fui instruída a esperar para conversar com João. Quando ele apareceu, demorei para perceber que a situação era anormal. Foi aí que fui violada.

    Quando voltamos para São Paulo, a minha mãe foi fazer a cirurgia. Uma hora e meia depois do começo do procedimento, o médico nos ligou para dizer que, inacreditavelmente, o tumor era benigno. Ela não tinha câncer. Aquilo veio como uma enorme surpresa. Todos acabamos atribuindo o milagre à viagem a Abadiânia. Queríamos acreditar naquilo e minha mãe desejou voltar para lá e agradecer.

    Continua após a publicidade

    Algumas amigas que acompanharam a nossa história foram junto. Uma delas foi escolhida por João. Ele disse que ela precisava de uma limpeza em suas energias. No atendimento, ela também sofreu abusos. Foi então que a minha ficha caiu. Só aí percebi o que tinha acontecido comigo. Veio uma revolta, uma indignação profunda. Pensei: “Como é que eu, uma pessoa esperta, caí nesse golpe tão clichê?”. Fui tomada por uma dor gigante.

    Relutei para contar aos meus pais o que tinha acontecido, porque sabia que eles se sentiriam culpados — e eles se sentiram mesmo. Tive medo, culpa, vergonha. É esse o nível de crueldade desse homem. Ele não violenta apenas a vítima, mas a sua família inteira. Toquei a minha vida e me preparei para quando o escândalo explodisse. Quando as histórias horríveis vieram à tona, fiz questão de dar o meu depoimento, falei com o Ministério Público e com as promotoras, que ficaram espantadas com a quantidade de informações que eu possuía. Falei para elas não se enganarem com a escala dos crimes desse homem. Não é um crime contra a mulher, mas contra a humanidade.

    Algum tempo depois, entrei em contato com um produtor que queria fazer um documentário sobre João. Pensei que seria uma forma de amplificar a minha mensagem e a de outras sobreviventes. Meu objetivo era fazer com que o projeto fosse um alerta para meninas e mulheres. Foi a partir daí que nasceu o documentário Cura e Crime, da Netflix. Eu queria mostrar que a violência muitas vezes se disfarça de algo inocente para atingir as suas metas.

    Continua após a publicidade

    Recentemente, João recebeu a oportunidade de cumprir a pena em prisão domiciliar. Fiquei revoltada. É angustiante pensar nele em sua mansão. Quando a Justiça é omissa a ponto de deixar em casa um criminoso condenado a 64 anos de prisão, isso afeta toda a sociedade. Foi uma decisão injusta que mostra como somos atrasados. Esse monstro não pode ficar impune.

    Andrea Mannelli em depoimento dado a Sabrina Brito

    Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.