O massacre do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, que deixou 56 detentos mortos, é consequência da completa ausência do Estado no controle dos presídios brasileiros, segundo especialistas. As superlotações nas cadeias e a precariedade das administrações penitenciárias do país, afirmam, fortalecem as facções criminosas e dão margem para violentas disputas territoriais entre grupos rivais.
Membro do Fórum Brasileiro de Segurança, o analista criminal Guaracy Mingardi destaca que a guerra entre facções dentro dos presídios “tem raízes bem antigas no sistema prisional brasileiro” e é consequência da omissão do Estado dentro das penitenciárias. “Sempre foi assim, não começou com o PCC (Primeiro Comando da Capital). O Estado se limita a cercar e manter os presos lá dentro, mas não tem controle nenhum interno”, disse.
Ele credita o massacre em Manaus ao acirramento de uma disputa nacional entre o PCC, que nasceu em São Paulo na década de 1990 e hoje atua em todo o país e até no exterior, e o Comando Vermelho (CV), que tem origem no Rio de Janeiro. “Não sei o que de fato levou à rebelião, mas certamente envolve uma disputa territorial nacional entre o PCC, que tem se expandido pelo país como estratégia de poder, e o CV. A facção Família do Norte é aliada do CV e viu uma chance de limpar a oposição do PCC, que é minoria naquele presídio. Em outros Estados já aconteceu o contrário”, explica.
Para Mingardi, a única solução a curto prazo é separar os detentos de facções rivais dentro do presídio até a abertura de novas vagas. “Mas isso não pode ser definitivo porque a longo prazo essa medida fortalece as facções dominantes e fará com que o próprio preso determine onde ele vai cumprir a pena”, sustenta.
“É preciso investir mais no sistema prisional, na reforma dos presídios, ampliação do número de vagas e dar melhores condições aos presos. Mas hoje parte do dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional já é contingenciada e ainda vão usar uma parcela maior dos recursos de segurança pública para a Força Nacional, o que deve aumentar o número de presos e, sem melhorar os presídios, vai fortalecer mais as facções”, completa.
Nacional — Especialista em segurança pública e professor de sociologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) em Minas Gerais, Luiz Flávio Sapori afirma que os crimes ocorridos no Amazonas são um problema de segurança pública nacional. “É fato que o acirramento de confrontos entre facções tem ocorrido em vários Estados do Brasil, como Ceará, Rio Grande do Norte, Maranhão e Rondônia. Isso tudo é a confirmação de que o sistema prisional permanece esquecido, fora da agenda políticas públicas tanto dos governos estaduais quanto do governo federal”.
Para Sapori, que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança, além da falta de recursos investidos para reduzir as superlotações nos presídios, as penitenciárias brasileiras são administradas de forma amadora. “Não existe profissionalização. Os agentes são pouco capacitados e trabalham em péssimas condições. Nesse sentido, prevalece a improvisação, aquilo que chamamos de apagar incêndio. O trabalho de inteligência é precário. Os presos não são separados por periculosidade, as lideranças muitas vezes não são identificadas, e desta forma os presídios são dominados pelas facções.
Neles, a carência de recursos é a tônica e a relação de violência é a pauta”, afirma. Sapori argumenta que chacinas de presos envolvendo disputas de grupos rivais apenas fortalecem a atuação das organizações criminosas fora dos presídios, aumenta a insegurança da população. “Às vezes é cômodo para uma autoridade vir a público e dizer que se trata de uma guerra entre facções como isso não tivesse relação com a sociedade. O problema é que esse tipo de ação (chacinas), além de revelar que o Estado não tem controle nenhum dos presídios, fortalece a criminalidade. É um erro achar que a morte de criminosos na cadeia reduz os crimes nas ruas. Seja a facção vencedora ou perdedora dessa guerra, ambas vão recrutar mais gente para os seus exércitos, dentro e fora das prisões. Isso fortalece o crime nas ruas e aumenta a insegurança pública.”
(Com Estadão Conteúdo)