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‘Eu sou um milagre’, diz carioca baleada na cabeça pela PRF

Juliana Rangel, 26 anos, relata a luta para se recuperar

Por Paula Freitas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 1 mar 2025, 08h00

Era para ser uma noite feliz. Passei a tarde ajudando minha mãe a preparar a ceia de véspera de Natal. Com tudo pronto, partimos para Niterói, onde minha irmã mora, para celebrar em família. A alegria virou tragédia quando fui atingida por um tiro de fuzil na cabeça ao passar por uma avenida em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Tínhamos ouvido uns estalos, mas, por ser 24 de dezembro, imaginei que fossem fogos de artifício. Na verdade, eram tiros vindos de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal. Mandei meu irmão, cego de um olho, se abaixar e, por instinto, olhei pelo retrovisor. Depois disso, não me lembro de nada. Minha mãe conta que saiu do carro gritando “somos uma família”. Ela abriu a porta de trás e viu que meu irmão e minha cunhada, que também estava lá, tinham escapado ilesos. Como eu não me movimentava, se aproximou e notou minha cabeça perfurada. Aos prantos, apelou aos policias para que me levassem ao hospital. Não fui socorrida por eles. Disseram apenas para chamar uma ambulância.

Minha sorte foi que a cena chamou a atenção de três policiais militares que passavam por ali. Primeiro pensaram que eu estava morta, mas um deles percebeu que tentava pedir socorro. Me puseram na viatura e seguiram para o hospital Adão Pereira Nunes. Lá, fui operada para remover a bala e lutei por minha vida por longos 44 dias, a maior parte no Centro de Terapia Intensiva. O quadro era gravíssimo e os médicos não sabiam dizer se, algum dia, eu voltaria a ter vida normal. Ainda contraí uma infecção pulmonar, complicando a recuperação. Minha irmã fala que meus batimentos se aceleravam quando ouvia a sua voz nas visitas. Acordei três semanas depois, agitada e sem saber onde estava. Não entendia o motivo de não conseguir falar — em coma, passei por uma traqueostomia. As memórias são confusas, mas lembro de me emocionar ao reencontrar minha família. Tomada por um turbilhão de sensações — felicidade, tristeza, alívio, revolta —, voltei a ser criança: estou reaprendendo a andar, a comer, a ser independente.

É muito duro ter a rotina virada de ponta-cabeça, de uma hora para outra, pela violência policial no Rio de Janeiro. Sou agente de saúde concursada e não posso trabalhar. Enredada na burocracia, nem estou recebendo salário. É inadmissível que uma força feita para nos proteger seja capaz de atacar sem pensar duas vezes. Em nenhum momento pediram ao meu pai para encostar o carro. Fomos tratados como bandidos. Poderíamos estar todos mortos. Sei que a Justiça brasileira é lenta e omissa, mas vou lutar para que os três agentes da PRF envolvidos abandonem a farda e nunca mais coloquem outra vida em risco. Também estou requisitando alguma compensação financeira, para custear meus medicamentos e tratamentos. O medo está sempre presente. Se escuto um barulho ou vejo um policial, fico aterrorizada. Espero que, com o tempo e ajuda profissional, consiga superar isso. Até lá, quero sair do Rio de Janeiro, em busca de um lugar tranquilo.

Apesar do trauma, sei que sou um milagre e não deixo o sofrimento fazer morada. Meu dia a dia consiste de idas ao hospital, onde estou sendo acompanhada por fisioterapeutas, neurologistas e fonoaudiólogos. Ainda que seja cedo para ter certeza, os médicos estão otimistas. Já consigo falar e caminhar com a ajuda de um andador. Ainda não enxergo perfeitamente, mas os doutores dizem que pode ser efeito dos medicamentos. Tenho muitos planos para o futuro, entre eles, escrever um livro sobre a minha história e cursar uma faculdade de medicina para poder retribuir o cuidado que tiveram comigo. Em março, faço 27 anos e já avisei que quero uma ceia de aniversário como a que não tive no Natal. Um bom e muito bem-vindo recomeço.

Juliana Rangel em depoimento a Paula Freitas

Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933

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