Ex-dirigente do PRTB detalha ligações do partido de Pablo Marçal com o PCC
Ele afirma que o PCC controla o partido e que a intenção da organização criminosa nas eleições era conquistar a prefeitura de São Paulo
Durante o primeiro turno da campanha para a prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, então candidato do PRTB, foi instado várias vezes por seus adversários a explicar as supostas ligações de dirigentes de seu partido com o Primeiro Comando da Capital (PCC), principalmente depois que se soube que um ex-presidente da sigla, o empresário Tarcísio Escobar, havia sido indiciado pela polícia por organização criminosa. Ele negou as acusações e explicou que seu nome foi envolvido por causa de um antigo sócio que teria conexões com o tráfico de drogas. Ficou o dito pelo não dito. O caso agora pode mudar de patamar. No dia 10 de outubro, os advogados Joaquim Pereira de Paula Neto e Patrícia Reitter de Oliveira foram alvos de um atentado em Brasília. Eles trafegavam por uma rodovia, quando perceberam que estavam sendo seguidos por dois homens em uma moto. O carro, blindado, foi interceptado pelos desconhecidos, que dispararam vários tiros. Ninguém ficou ferido, mas a apuração sobre a tentativa de assassinato trouxe à tona o que até agora talvez seja o mais importante testemunho do nível de infiltração do crime organizado na política.
Ex-dirigentes do PRTB, Joaquim e Patrícia haviam procurado a polícia de Brasília em julho, três meses antes do atentado, para denunciar uma série de intimidações que vinham recebendo. O autor das ameaças seria o atual presidente do partido, Leonardo Alves de Araújo, conhecido como Leonardo Avalanche. O motivo: uma disputa interna pelo controle da legenda em São Paulo. Em depoimento, a advogada contou que o dirigente teria afirmado que mataria qualquer um que se colocasse contra as decisões dele. Na época, Joaquim era presidente do PRTB em São Paulo e Patrícia atuava como consultora jurídica. Eles se desentenderam porque, segundo ela, havia um acordo para que o candidato do PRTB à prefeitura paulistana fosse o Padre Kelmon, que ficou nacionalmente conhecido na última eleição presidencial. Por razões ainda não muito bem esclarecidas, Leonardo teria decidido romper o compromisso e impor o nome do ex-coach Pablo Marçal. A dupla, que discordava da mudança, teria então sido destituída dos cargos, recebido ameaças e, por fim, sofrido o atentado. O que ninguém sabia é que, depois disso, os advogados também passaram a revelar às autoridades segredos sobre supostas ligações do partido com o crime organizado.
Joaquim já prestou depoimento ao Ministério Público. Ele contou que logo após a escolha de Marçal como candidato, e diante do ruído que isso criou na legenda, foi convidado por Leonardo Avalanche, o presidente do PRTB, e Tarcísio Escobar, o ex-presidente, para uma reunião em Arujá, no interior de São Paulo. Lá armou-se algo que descreveu como uma espécie de “tribunal”. Homens armados teriam alertado que o casal iria deixar o partido e deveria manter silêncio sobre o que tinha testemunhado. “Passei horas sendo intimidada por pessoas fortemente armadas”, disse a advogada Patrícia. Os ex-dirigentes afirmaram que os participantes da reunião eram todos membros do Primeiro Comando da Capital, inclusive Avalanche e Escobar. Joaquim também contou que, logo depois da indicação de Pablo Marçal, ouviu uma conversa entre Avalanche e alguém que identificou como sendo da cúpula do PCC. “Eles falaram assim para o Leonardo: ‘A gente fez a parte suja, te colocamos aí e agora você está rompendo? Não está cumprindo o acordo?’. Leonardo respondeu: ‘Não, vossa excelência, eu não estou fazendo isso não’ .”
A “parte suja” que teria sido feita pelo PCC, de acordo com o advogado, foi a operação que possibilitou a eleição de Avalanche como presidente do partido. A organização criminosa teria falsificado a identidade de 32 pessoas. O estatuto do PRTB determina que a escolha dos membros do diretório nacional deve ser definida por votos dos filiados mais antigos. Os falsos militantes teriam recebido dinheiro para se passar pelos antigos, depois foram levados a Brasília, onde ocorreu a votação que elegeu Avalanche no início do ano — denúncia que está sendo apurada pela Polícia Civil de São Paulo. Para provar a conexão dos atuais dirigentes com o PCC, Patrícia apresentou uma gravação em que Tarcísio Escobar fala de sua fidelidade à organização criminosa. “Doutora, vou te dizer uma coisa: eu nunca vou botar a minha organização em risco”, diz a gravação exibida pela advogada, supostamente enviada pelo o ex-presidente do PRTB. “Eu tenho duas famílias: a minha e a do PCC. Então eu nunca vou jogar o nome da minha organização em risco. Em nada, em nada, pode tentar falar à vontade, qualquer pessoa, que eu não vou colocar, eu sei muito bem o que eu tenho, o compromisso que eu tenho.” O áudio está em modo acelerado e ainda não há como ter certeza de que a voz é realmente de Escobar.
Procurado por VEJA, o ex-presidente do PRTB disse que não se lembra de ter gravado o tal áudio, mas ao mesmo tempo não descarta a possibilidade de ter enviado a mensagem à advogada como um alerta. “Pode ter sido algo assim: ‘olha, doutora, tem que tomar cuidado, aqui, tipo alertando, São Paulo, como que é’. É complicado, sabe como é o dia a dia em São Paulo, para o empresário, para um político, é complicado. Se tem o PCC então, piorou. Se nós não tomar cuidado…”, ressalta Escobar. Joaquim explicou que ao tentar ingressar na política paulistana lançando a candidatura do Padre Kelmon, o PCC não pretendia fraudar contratos, lavar dinheiro ou operar esquemas de corrupção, mas sim influenciar. Depois do atentado em Brasília, o ex-dirigente conta que voltou a conversar com membros do PCC para saber quem da organização teria encomendado sua morte. E quem seriam essas pessoas? “É gente muito rica. Tem uma parte administrativa e outra operacional”, resume o advogado, sem revelar a identidade dos criminosos com os quais manteve contato. É tudo muito estranho.
Pablo Marçal, que não avançou ao segundo turno por uma margem ínfima de votos, sempre afirmou desconhecer as supostas ligações entre o partido e o crime organizado. Joaquim afirma que isso não é verdade. “O Marçal sabia de tudo, sabia que o Tarcísio representava o PCC e que tinha seis pessoas do PCC andando com a gente”, diz o advogado. “E ele sabia porque eu falei para o advogado dele, o doutor Tassio. A reunião com ele foi um mês antes da eleição”, acrescenta (leia a entrevista abaixo). Procurado, o ex-coach disse que “isso é lenda”. O advogado dele, Tassio Renam, não se pronunciou. Leonardo Avalanche garantiu que nunca ameaçou ninguém e que as supostas ligações do partido com o PCC jamais existiram. “Não temos relação alguma com o crime organizado. Isso foi a maior fake news das eleições de 2024”, afirmou. Pode ser. O fato é que as autoridades têm nesse caso a oportunidade de esclarecer se tudo se resume a uma intriga eleitoral que ainda não terminou, o que não parece ser o caso, ou se o crime organizado realmente conseguiu penetrar na política da maior e mais importante cidade da América Latina.
“Eles querem influenciar o poder”
Em entrevista a VEJA, o advogado Joaquim Pereira Neto, ex-presidente do PRTB de São Paulo, afirma que o PCC assumiu o comando do partido, diz que o Padre Kelmon era o candidato inicialmente escolhido pelo grupo para disputar a prefeitura da capital e que a chegada de Pablo Marçal provocou um racha na organização.
Como o senhor chegou à presidência do PRTB em São Paulo? Conheço Leonardo Alves, o Leonardo Avalanche, presidente nacional do partido, há dez anos. Ele é um captador de clientes para escritórios de advocacia. Ele me disse em janeiro que ia presidir o PRTB e me chamou para ajudar. Me filiei no início do ano. A sede funcionou no meu escritório de advocacia por dois meses. Nessa época, ainda não tinham o Pablo Marçal como candidato em São Paulo.
E qual era exatamente a sua atuação dentro da legenda? O Leonardo tinha um acordo com o Tarcísio Escobar. Ele me apresentou o Tarcísio como líder do PCC. Leonardo falou pra mim: “Ele vai cuidar do partido em São Paulo, ele é o chefe do PCC. Fiz um acordo com ele”. Ficamos alinhados em colocar Padre Kelmon como candidato a prefeito de São Paulo. Poucos dias após Tarcísio assumir a presidência, a imprensa fez o vínculo dele com o PCC. Era preciso afastá-lo. Em março, fui nomeado presidente do PRTB em São Paulo. Fui uma espécie de presidente “postiço” até junho.
O senhor disse ao Ministério Público que o PCC estava por trás do partido? Eles faziam jantares lá no escritório. Eu não participava, porque tinha medo do que estava acontecendo. Mas sabia que tinha muito criminoso dentro do partido. Eu sabia, eu estava vendo tudo. O Escobar disse que estava no partido representando um grupo criminoso e ele tinha que fazer tudo pelo grupo criminoso, que era o PCC.
Ele falou isso? Falou. Tenho um áudio dele para provar. Disse isso quando começaram as divergências sobre quem seria o candidato a prefeito de São Paulo. A chapa seria Padre Kelmon e Pastor Manoel. Já tínhamos feito até vídeo do Padre como candidato. Briguei com Leonardo Avalanche quando ele disse que Pablo Marçal seria o candidato. Ele e o Tarcísio Escobar também se desentenderam por conta disso.
Foi nesse contexto que ele gravou o áudio assumindo que era do PCC? Ele estava justificando que não era o crime organizado que estava fazendo aquilo com a gente (troca de candidato). Tarcísio estava explicando que estava levando a culpa por decisões do Leonardo Avalanche, que teria quebrado o acordo com o PCC.
Pablo Marçal sabia dessas conexões do partido com o PCC? O Pablo Marçal sabia que o Tarcísio representava o PCC e que tinha seis pessoas do PCC andando com a gente. Eu falei isso para o doutor Tassio, advogado dele. A reunião foi um mês antes da eleição. No lançamento da candidatura do Marçal, o Leonardo até usou a camiseta “Salve”. É uma saudação entre os integrantes do grupo.
Qual seria o objetivo do PCC ao tentar conquistar a prefeitura de São Paulo? Nunca vi eles falando em fraudar contrato da Prefeitura, nunca ouvi eles falando de roubar dinheiro, nada. O que eles (PCC) queriam é montar estrutura para eleger vários deputados federais nas próximas eleições. Eu nunca ouvi eles falando de droga, de lavagem de dinheiro. Eles querem influenciar o poder.
Por que o senhor saiu do partido? Antes do primeiro turno, eu e a Patrícia fomos submetidos ao “tribunal do crime” em Arujá. Nos levaram para uma reunião. Homens armados nos intimidaram. O recado era sair do partido e não falar nada. Também disseram que eu traí o Leonardo Avalanche. Desde então, estou com um “X” nas costas.
O senhor está dizendo que o PCC é o mentor do atentado? Depois do atentado, conversei com o pessoal do PCC em São Paulo. Eu tenho o telefone de alguns deles, liguei para dois. Eles disseram: “Doutor, não foi a gente, não temos nada contra o senhor, o senhor não fez nada contra nós”. É gente muito rica, não vou dizer nomes. Eles têm uma parte administrativa e outra operacional. São muito organizados.
Nota de Leonardo Avalanche:
Leonardo Avalanche
Presidente PRTB
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916