Quarta maior cidade do país, com 2,4 milhões de habitantes, Fortaleza é comandada há quase duas décadas por políticos oriundos de um consórcio que envolvia PT e PDT. O rumoroso rompimento entre os irmãos Cid e Ciro Gomes, iniciado na campanha eleitoral de 2022, rachou a legenda pedetista, afastou-a do petismo, enfraqueceu o campo da esquerda e embaralhou o xadrez político local. A cinco meses da eleição municipal, o embate que se desenha é com uma direita pulverizada, tendo à frente o eterno favorito nas últimas disputas no estado, o ex-deputado Capitão Wagner (União Brasil) e dois candidatos fortemente ligados ao bolsonarismo. Pelo que se viu nas pesquisas recentes, a batalha pela maior capital do Nordeste tem, por ora, um desfecho imprevisível (veja o quadro).
Um dos motivos que tornam a disputa indefinida é a má situação do prefeito José Sarto (PDT). Médico de 65 anos com larga experiência na política local (presidiu os Legislativos municipal e estadual), ele tenta a reeleição com o apoio de Ciro e do ex-prefeito Roberto Cláudio, que comandou Fortaleza de 2013 a 2020. Embora controle a máquina municipal, Sarto chega enfraquecido pela perda de apoio político e por uma baixa popularidade que insiste em acompanhá-lo desde o início da gestão — segundo o Paraná Pesquisas, em março, sua gestão era aprovada por 43% e desaprovada por 52% da população. Com o PDT desidratado e tendo o PT e a direita como adversários, Sarto conseguiu reunir nove partidos, mas todos pequenos (o maior é o igualmente combalido PSDB), e, segundo projeções, terá menos tempo de TV que os principais adversários.
As primeiras pesquisas têm na liderança um nome bem familiar ao eleitorado. Wagner Sousa Gomes, o Capitão Wagner, é de novo o favorito, como foi nas campanhas à prefeitura em 2020 (perdeu para Sarto no segundo turno) e ao governo em 2022 (perdeu para o petista Elmano de Freitas, embora tenha vencido em Fortaleza). Policial militar da reserva de 45 anos, ele entrou para a política após liderar a paralisação de PMs e bombeiros em 2011. O Capitão tenta ser o candidato único da direita, mas terá como missão se livrar da pecha de “cavalo paraguaio”, expressão usada no esporte para designar competidores que largam bem, mas são superados pelos rivais no final.
Embora use a pauta da segurança pública como tema principal e um discurso conservador nos costumes, Wagner tem uma relação meio confusa com o bolsonarismo. Tanto na eleição de 2020 quanto na de 2022, ele evitou colar sua imagem à do ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi derrotado no estado nas duas eleições presidenciais que disputou. Desta vez, não parece que será diferente. “Não vou ter padrinho político, mas não descarto apoio de ninguém”, disse Wagner a VEJA. Agora, porém, o campo bolsonarista tem dois pré-candidatos “puro-sangue”: o youtuber e deputado federal André Fernandes (PL), de 26 anos, e o empresário e senador Eduardo Girão (Novo), 51. Ambos reafirmam suas candidaturas com pautas ligadas ao discurso de Bolsonaro.
Outra força que pode embaralhar ainda mais a disputa é o PT, que tenta recuperar a cidade que governou de 2005 a 2012. O partido foi o maior vencedor no estado em 2022, quando elegeu Elmano ao governo, Camilo Santana ao Senado e deu 70% dos votos a Lula. No pleito municipal deste ano, no entanto, o PT vem fazendo até aqui um caminho tortuoso. Para começar, deixou para trás uma liderança, a ex-prefeita e hoje deputada federal Luizianne Lins. Quem ocupa seu lugar é o deputado estadual Evandro Leitão, petista há apenas cinco meses — filiou-se em dezembro após deixar o PDT no meio da briga entre os irmãos Gomes, que causou também a saída de seu padrinho político Cid para o PSB. Na pré-campanha, Leitão virou alvo de Sarto, que o chama de “infiel” pela postura adotada no imbróglio que rachou o PDT e desfez uma longeva aliança com o PT no estado. Na ocasião, Leitão se aliou a Cid, e Sarto ficou ao lado de Ciro. Quem tenta faturar com a confusão é o Capitão Wagner, que ataca tanto o governo de Elmano no estado quanto a gestão pedetista em Fortaleza.
Vencer ali tem fundamental importância para os planos da direita e da esquerda. No caso do PT, ajudaria a manter força no Nordeste, que reúne 27% do eleitorado brasileiro e vota em peso em Lula. O partido não administra nenhuma capital nordestina, embora tenha quatro governadores na região, e possui apenas quatro candidatos próprios (Maceió, Natal, Aracaju e Fortaleza) nos nove estados. Para Ciro e seu grupo, é uma batalha decisiva para manter um de seus poucos feudos políticos relevantes. Já para a direita, é a chance de ouro de interromper um longo ciclo de domínio da esquerda no pedaço.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893