Há meses, dirigentes do União Brasil, o terceiro maior partido do Congresso, travam uma queda de braço pelo comando da legenda. O embate já resultou no afastamento do deputado Luciano Bivar (PE) do comando da sigla e ganhou dimensão diante de um rumoroso processo criminal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) em que o parlamentar é acusado de ter incendiado a casa e ameaçado de morte um de seus desafetos, o advogado Antonio Rueda. Antes de ser destituído e sem apresentar nenhuma evidência, Bivar fez uma grave denúncia contra um correligionário que ampliou ainda mais a confusão, principalmente por não se tratar de um correligionário qualquer. Segundo ele, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, estaria envolvido num caso de assassinato. A resposta foi imediata e incisiva. Em nota, o governador disse que o deputado mentia “de forma despudorada e criminosa”, que o desespero dele por perder o cargo “fez sobressair sua falta de caráter”, que não existia qualquer apuração contra ele e que acionaria judicialmente o congressista.
A origem do bate-boca entre o governador e o deputado está em um inquérito da Polícia Civil de Goiás que apura a morte de um dirigente local do União Brasil. Em junho de 2021, o empresário Fábio Alves Escobar foi morto em Anápolis, cidade que fica a 50 quilômetros de Goiânia. Ele foi um dos coordenadores da campanha de Ronaldo Caiado na cidade em 2018. Depois da posse, tornou-se um desafeto do governador, denunciando que teria havido uso de caixa dois na campanha e apontando casos de corrupção no governo. O empresário, desde então, começou a receber seguidas ameaças de morte. Certo dia, Escobar recebeu uma ligação e saiu para um encontro com um suposto “cliente”. Era uma emboscada. No local combinado estavam dois homens encapuzados que dispararam quatro tiros. Na semana passada, depois de quase três anos de investigação, o Ministério Público denunciou os responsáveis pelo crime. Entre os acusados, está um primo do governador.
Segundo o MP, seis pessoas participaram do planejamento e da execução do empresário, incluindo quatro policiais militares. Jorge Caiado, o primo do governador, foi apontado como um dos mentores do crime. Os promotores afirmam que ele, além do parentesco, atuou ativamente na campanha eleitoral e tinha grande influência no governo, sobretudo na área de Segurança Pública. Atingido pelas denúncias de Escobar, teria procurado apoio para “resolver” o problema. Um dos procurados foi o então chefe da Casa Militar do Palácio das Esmeraldas, coronel Newton Nery Castilho — testemunha-chave do caso. O militar contou aos investigadores que Jorge, sem meias-palavras, o consultou sobre a possibilidade de matar o desafeto. Preocupado com o que ouviu, o PM disse que foi até o governador e reproduziu o teor da conversa. Ronaldo Caiado, de acordo com ele, teria ouvido o relato em silêncio. Outros dois coronéis também teriam sido sondados sobre a necessidade de “aniquilar” Fábio Escobar.
Em todos os encontros, de acordo com o ex-chefe da Casa Militar, Jorge Caiado estava acompanhado de Carlos César Toledo, ex-presidente do DEM (atual União Brasil), também denunciado pelo MP como mentor do crime. A dupla distribuiu aos policiais um dossiê contendo uma falsa ficha criminal do empresário, na qual ele era identificado como traficante de drogas que precisava ser detido. Cópias do tal dossiê, segundo o coronel, foram entregues também à primeira-dama do Estado. Castilho contou aos promotores que foi convocado para uma reunião com a primeira-dama quando as denúncias de Escobar começaram a aparecer. O tema oficial do encontro era reforma administrativa, mas a conversa foi praticamente toda sobre a “inconveniência” das revelações do empresário. Jorge Caiado estava presente.
No processo também estão anexadas mensagens que a vítima disparou antes de morrer. Uma delas foi enviada ao celular do governador. “Primeira vez que sinto medo na minha vida. Vou cuidar da minha família. Diz isso pro Jorge Caiado. Te suplico isso”, escreveu o empresário. “O governador Caiado sabia que meu filho estava jurado de morte e nada fez”, disse José Escobar, pai da vítima. Para o MP, Fábio Escobar foi executado por um grupo de extermínio composto de policiais militares a mando de Jorge e Carlos César Toledo. A Justiça aceitou a denúncia contra os dois e mais quatro PMs. Procurado, o primo do governador não quis se pronunciar. Toledo está foragido. Apesar das menções, o governador Ronaldo Caiado, provável candidato do União Brasil à presidência da República, não é investigado. Ele nega que tenha recebido o pedido de socorro do empresário, diz que o ex-chefe da Casa Militar mentiu sobre a reunião e afirma que o envolvimento do primo dele no crime tem o objetivo de atingi-lo: “Não parece estranho que essas acusações apareçam exatamente agora, no momento em que meu nome surge como candidato a presidente?”. É tudo muito estranho.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886