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Lama tóxica faz 11 mil moradores do Pará irem à Holanda atrás de reparação

Índios e quilombolas dizem ter sofrido com ao menos dez desastres ambientais em Barcarena, e que processos no Brasil têm lentidão

Por Tulio Kruse Atualizado em 24 jun 2022, 16h40 - Publicado em 24 jun 2022, 12h36

Quatro anos depois de um derramamento de lama tóxica da mineração de alumínio em Barcarena, no Pará, 11 mil famílias buscam na Holanda uma reparação que ainda não conseguiram na Justiça brasileira. Nesta sexta-feira, 24, uma audiência em um tribunal em Roterdã ouviu advogados da associação de moradores da cidade e da mineradora Norsk Hydro, proprietária da mina, para decidir se aceitam julgar a empresa no próprio país. Os três juízes da corte também ouviram uma das vítimas, Maria do Socorro Costa da Silva. Os moradores foram atingidos por contaminações que deixaram vermelhas as águas do rio Mucurupi e relatam problemas de saúde como doenças de pele, aumento da incidência de câncer e Alzheimer, problemas digestivos e bebês nascidos com má formação.

O processo pretende responsabilizar a mineradora holandesa por ao menos dez desastres ambientais em Barcarena, o primeiro deles em 2002, em empreendimentos que são administrados pelas brasileiras Alunorte e Albrás (subsidiárias da Norsk Hydro), além da administradora de investimentos Folketrygdfondet, que investiu na operação da Norsk Hydro no Brasil. A ação é movida por nove pessoas e pela Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama).

Os moradores contam que, com o rio poluído, não conseguem mais pescar, nem cultivar suas hortas ou criar animais, que dependiam da água limpa — e que, como consequências, muitas pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Há relatos de perda de cabelo, perda parcial ou total da visão, dor e fraqueza nos corpos, bem como ansiedade e ataques de pânico. Segundo a associação, após o último desastre, foram descobertas três tubulações clandestinas que liberavam diretamente resíduos tóxicos na natureza.

“Nossa água está envenenada, nos faz mal”, disse Maria do Socorro durante a audiência. “A (Norsk) Hydro nos faz muito mal, ela não paga, não quer dar nem o nosso remédio. Precisa de reparação, sim.”

Os advogados que defendem a comunidade dizem também que há uma lentidão nos processos na Justiça brasileira, que seria causada pelos pedidos judiciais feitos pela defesa das mineradoras, que questionam detalhes técnicos nos processos como a instância apropriada para os julgamentos. “É com tristeza que cheguei à conclusão que as ações coletivas não atendem ao mínimo razoável na expectativa e esperança de reparação dos direitos”, disse durante a audiência o advogado Ismael Moraes, que mora no Pará e atua em parceria com o escritório PGMBM, especialista em processos ambientais coletivos de escala internacional.”Em alguns casos, por exemplo, para obtenção de uma decisão de urgência, estamos aguardando há quatro anos para que exames de sangue sejam feitos para aferir a situação de saúde dos atingidos. De lá para cá, dezenas de pessoas que poderiam ter sido atendidas faleceram.”

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Durante a audiência, um advogado da Norsk Hydro disse que alguns dos transbordamentos relatados no processo não ocorreram, e que testes apontaram que não havia risco à saúde da população em um caso em que a água da chuva arrastou material no solo do terreno da mineradora para o entorno na região. Ele também argumentou que o foro adequado para julgar esses casos seria o Brasil. “Eu só quero que se dê preferência aos processos na Justiça brasileira”, disse o advogado Jochem Vlek, que defende a mineradora. Ele também contestou a informação de que os processos brasileiros sofrem atrasos. “Isso não é verdade, nas últimas audiências que tivemos já houve algumas decisões de mérito.”

A juíza Pauline Hofmeijer-Rutten, que preside a corte, que vai emitir a decisão sobre aceitar ou não o caso na Holanda deve ser tomada até o dia 19 de outubro. Se o caso for aceito, as empresas processadas terão até 22 de fevereiro para apresentar sua defesa nos autos.

‘Repetição’

Em nota, a Hydro afirmou que o “caso contra os acionistas indiretos é apenas mais uma repetição dos processos que têm por objeto os mesmos fatos e alegações contra as empresas brasileiras”, e que há risco de “duplicação de trabalho e decisões incompatíveis”. A mineradora reafirmou que, na sua opinião, o caso deveria ser tratado nos tribunais brasileiros e que pediu à corte holandesa que o caso seja suspenso. A empresa também informou que “mais de 90 fiscalizações/auditorias foram realizadas por órgãos públicos que atestaram e confirmaram que não houve transbordamento dos depósitos resíduos da Alunorte” e que “alegações adicionais permanecem infundadas e não há evidências de contaminação nas comunidades causada pela Alunorte relacionada às chuvas de fevereiro de 2018”. 

Em março daquele ano, o CEO da Norsk Hydro admitiu que a Hydro Alunorte havia descartado água não tratada no rio Pará, do qual o Mucurupi é afluente. “Nós descartamos água de chuva e da superfície da refinaria não tratadas no rio Pará. Isso é completamente inaceitável e contraria o que a Hydro acredita”, afirmou á época o CEO Svein Richard Brandtzaeg.

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