Há menos de um ano, em junho de 2023, agentes do Ibama abordaram uma embarcação no mar de Santa Catarina em uma operação que entraria para a história ambiental brasileira. No navio, os fiscais apreenderam 29 toneladas de barbatanas de tubarão de origem irregular, quantidade que estabeleceu o novo recorde mundial de confisco desse tipo. A carga pertencia a uma empresa de Itajaí, a Kowalsky Pescados, cujo proprietário carrega consigo também o desonroso troféu de campeão nacional da pesca ilegal — Evaldo Kowalsky acumula 28 autuações e 32 milhões de reais em multas ambientais desde 2018. Embora representativo, o personagem é mais um dos muitos infratores que fizeram de Santa Catarina o estado campeão da pescaria predatória, segundo levantamento feito por VEJA com base nos registros do Ibama.
O desrespeito à legislação em Santa Catarina é enorme. O estado abriga 7% da faixa litorânea brasileira, mas concentra um terço do volume de multas por pesca ilegal no país. No período pesquisado pela reportagem, pessoas e empresas catarinenses foram autuadas em 153 milhões de reais por atividade irregular, cerca de 34% do total de punições aplicado em toda a costa brasileira, que chegou a 453 milhões de reais (veja o quadro). A ilegalidade é tão arraigada que até o ex-presidente do Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região, Giovani Genázio Monteiro, figura em terceiro lugar no ranking de multas, com 11,5 milhões de reais. Em 2015, ele chegou a ser preso pela Polícia Federal, acusado de comandar um vasto esquema de fraudes na concessão de licenças pesqueiras.
A liderança catarinense em bandidagem na pesca não é coincidência. A indústria de pescados é um forte motor econômico de Santa Catarina, que concentra cerca de 30% das embarcações e o maior número de empresas do setor no Brasil, segundo a Secretaria Executiva Estadual de Aquicultura e Pesca. O estado movimentou mais de 5 bilhões de reais com a atividade entre janeiro e outubro de 2023 — o porto de Itajaí movimenta 55% do mercado brasileiro e lidera as vendas de congelados no país.
A pesca catarinense também tem considerável influência política. O estado é a base de Jorge Seif Jr., ex-secretário de Pesca e Aquicultura no governo Jair Bolsonaro, atual senador do PL (mas arriscado a perder o mandato, em julgamento em curso no TSE por abuso de poder econômico na campanha) e dono de um longo histórico na atividade pesqueira. Seu pai, Jorge Seif, é fundador da JS Pescados e acumula, com a esposa, Sara Kischener Seif, 6 milhões de reais em multas desde 2018. Os dados mostram que a fiscalização afrouxou sob Bolsonaro, ao mesmo tempo que era comum ver o então presidente pescando com Seif Jr. em águas catarinenses. Em 2018, o volume de multas no país superou 146 milhões de reais. Com a posse de Bolsonaro, caiu pela metade. Em 2020, despencou para 25 milhões de reais. Com Lula, voltou a subir, para 135,6 milhões de reais. “Dois fatores foram bastante prejudiciais para a fiscalização: a redução do quadro efetivo e a falta de embarcações”, diz Igor de Brito, chefe do Núcleo de Fiscalização dos Recursos Pesqueiros (Nupesc), do Ibama.
Os crimes incluem irregularidades nas licenças, comercialização de espécies vetadas e utilização de técnicas proibidas, como o espinhel de superfície, apetrecho composto por uma estrutura de linhas e anzóis que tem como foco a pesca de atuns, mas atrai grandes quantidades de animais protegidos, como tartarugas.
As espécies mais afetadas pela pesca predatória ilegal variam entre as regiões. No panorama nacional, especialistas apontam que tubarões, cações e arraias estão entre os mais ameaçados. Outras espécies que sofrem com a atividade irregular são camarões, lagostas, tainhas e sardinhas. Além dos apetrechos desproporcionalmente letais, causa preocupação o desrespeito ao defeso, o período de reprodução dos animais. “A redução desproporcional de uma determinada população causa desequilíbrio em toda uma cadeia alimentar”, alerta Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Unifesp e representante da Unesco para a proteção dos oceanos brasileiros. Segundo ele, além de fortalecer a fiscalização, é preciso revisar o arcabouço legal para considerar o ecossistema, mais do que espécies individuais, e proteger a autonomia das comunidades que exploram o mar de forma sustentável.
A pesca ilegal é um dos crimes que mais têm preocupado, não só os agentes ambientais, como as autoridades policiais. Quadrilhas envolvidas nesse tipo de prática têm, em alguns lugares do país, conexões com outras atividades criminosas, como garimpo e tráfico de drogas. Pescadores ilegais mataram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, em junho de 2022, no Amazonas — terceiro no ranking da pesca ilegal, mas bem abaixo dos estados do Sul. Segundo o fiscal Igor de Brito, na Amazônia, a atividade ocorre no mar e em rios, de forma muito espalhada, o que dificulta a atuação quando se tem um baixo número de fiscais. Já no Sul, a atividade é concentrada em determinadas regiões, facilitando a ação dos agentes. A exploração dessa modalidade de crime encontra águas tranquilas quando a repressão reflui, quase sempre em razão de uma visão ambiental permissiva. Mas o país precisa agir com firmeza, porque é necessário proteger a exploração econômica legal e punir quem suja as águas dessa atividade importante para o Brasil.
O que diz a Kowalsky
Leia, a seguir, a nota enviada pela defesa da empresa Kowalsky Pescados a VEJA:
A empresa COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PESCADOS KOWALSKY LTDA., vem a público, através de seus advogados, esclarecer a notícia veiculada sobre a comercialização de subprodutos de cação, dando conotação absolutamente equivocada a população de se tratar de crime ambiental.
A empresa Kowalsky dedica-se a industrialização de pescados para comércio nacional e internacional, possuindo registro no Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Ibama e demais órgãos públicos voltados a atividade pesqueira, motivo pelo qual é constantemente fiscalizada.
Todo o pescado que adentra em suas instalações passa por rigorosa inspeção por equipe técnica treinada, com analises documentais de origem e procedência, bem como analises de qualidade e identidade de matéria-prima.
Desta forma, a empresa garante que as espécies quando recepcionadas NÃO SE ENCONTRAVAM COM AMEAÇA DE EXTINÇÃO ou qualquer outra restrição.
As embarcações que promoveram as respectivas capturas possuíam Autorização de Pesca para tais espécies, cumprindo sua obrigação de informar o Ministério da Pesca todas as capturas, locais e horários.
Outrossim, a empresa industrializou o pescado e comercializou no mercado interno, sem que houvesse qualquer óbice. O subproduto do pescado (barbatanas) não consumidas no Brasil foram direcionadas para exportação, conforme requerimentos que datam o ano de 2021.
Ao contrario dos demais países exportadores, o Brasil representado pelo IBAMA, por ausência de formalização dos instrumentos recomendados por Organização Internacional, inviabilizou o escoamento do produto, culminando no estoque presenciado e noticiado.
Portanto, trata-se de um estoque formado por no mínimo 03 anos de represamento no processo de exportação.
Ademais, todo o estoque existente assim como toda a documentação necessária para comprovação de origem, processamento e destino são comunicados aos órgãos de fiscalização e principalmente ao IBAMA, qual possui em seu poder tais informações desde 2021.
Destaca-se também que o produto encontra-se apreendido desde o inicio do ano e não recentemente como noticiado.
Isto posto, a empresa Kowalsky garante também que o cação azul recepcionado na empresa não encontra-se incluído em lista de espécies ameaçadas.
A empresa tem certeza que o que foi narrado de forma absurda e descontextualizada por alguns agentes do IBAMA não parte de uma analise técnica interministerial e por isso tomará as medidas judiciais cabíveis para a justa retratação.
O que diz Giovani Monteiro
Leia, a seguir, a nota enviada pela defesa de Giovani Monteiro a VEJA:
A defesa de Giovani Monteiro esclarece que as mais de duzentas de imputações que a Polícia Federal e Ministério Público Federal lhe direcionaram inicialmente desde 2015, não se sustentaram quando levadas para análise do Poder Judiciário, de modo que o ex-presidente sindical obteve sentença de absolvição em todas as ações penais até o momento apresentadas, inclusive sem apresentação de recurso pela MPF, uma vez que até mesmo o órgão acusador constatou a flagrante inexistência de prática de atos ilegais. Assim, resta evidente que os órgãos ambientais se excedem em suas interpretações distorcidas das normas legais, arbitrando multas desarrazoadas e ilegais.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890