No acordo de delação premiada, o casal de publicitários João Santana e Mônica Moura revelou os bastidores dos atritos entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff no ano de 2014, quando foi deflagrada a primeira operação da Lava Jato.
Segundo o relato dos marqueteiros, os dois não se entendiam em três pontos principais: a escolha de Graça Foster para a presidência da Petrobras — Lula reclamava que ela estava “fechando a torneira” para as empreiteiras; a condução da política econômica do país pelo ministro da Fazenda Guido Mantega — Lula queria trocá-lo por Henrique Meirelles; e a decisão de Dilma de querer disputar a reeleição em 2014 — Lula já pretendia naquele ano tentar o terceiro mandato.
Mais do que conduzir as últimas três campanhas presidenciais do PT (2006, 2010 e 2014), Santana era um dos principais conselheiros de Lula e Dilma. Fazia diagnósticos de cenários, pesquisas de opinião e era o responsável pela comunicação de programas vitrines, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Em seu depoimento, disse que também exercia a função de pombo correio entre os dois mandatários. Segundo ele, o padrinho sempre o acionava quando queria passar algum recado incômodo à sua afilhada política. “Havia um mal humor permanente do presidente Lula em relação a ela”, disse Santana. “Ele [Lula] sempre usava esse artifício de não falar diretamente de coisas constrangedoras com as pessoas. Sempre mandava recados. Quem viveu com ele sabe disso”, completou.
De todas as rusgas, no entanto, a que mais chamou a atenção dos procuradores foi a informação de que Lula — na condição de ex-presidente — dava pitacos sobre o comando da Petrobras. Segundo o marqueteiro, o ex-presidente “queria a cabeça” de Graça Foster, a quem considerava “incompetente e sem estatura para o cargo”, principalmente porque ela estava “fechando as torneiras” da estatal para as empreiteiras.
“Numa ocasião, ele [Lula] foi ainda mais incisivo: ‘Eu queria que você dissesse para Dilma que eu tenho recebido aqui uma procissão de empresários que prestam serviços para a Petrobras, que vêm reclamar de atrasos sistemáticos nas obras'”, disse ele, reproduzindo o diálogo que teve com o petista. “Diga a Dilma que, se pararem essas obras, vai ter um dano grande na campanha e para você que é marqueteiro também. Você vai ter que ir na televisão fazer programa de que a Petrobras que nós vendemos por eficiência e que foi motivo da minha reeleição…”, explicou.
Após a conversa com Lula, Santana encontrou Dilma dois dias depois em um jantar no Palácio da Alvorada, em Brasília. Na ocasião, transmitiu-lhe as queixas e recebeu a seguinte resposta: “Será que não enxergam que eu estou arrumando a casa? O canalha do Paulo Roberto Costa [ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e delator número 1 da Lava Jato] fui eu que tirei”, relatou Santana, dando a entender que a petista havia colocado Graça no cargo para sanear a empresa.
O marqueteiro disse que, na época, não achou que Lula se referia aos esquemas de corrução na Petrobras. Depois das descobertas da Lava Jato, no entanto, teve a convicção de que parte das queixas tinham relação com isso — “ela estava fechando a torneira”, afirmou. Graça Foster foi presidente da estatal de fevereiro de 2012 a 2015, sendo substituída por Aldemir Bendine, que está no cargo até hoje.
Em seu acordo de delação, Mônica Moura também deu detalhes dos desentendimentos entre os dois. Disse, por exemplo, que, em 2014, “havia um certo estremecimento entre Lula e Dilma”, porque ele queria disputar a eleição no lugar dela. Na ocasião, crescia no PT o movimento “Volta Lula”. “Todos os jornais especulavam na época, eles negavam, mas era verdade. Lula queria ser candidato. E a Dilma não aceitou. Ela queria a reeleição dela. Se sentia forte. Isso é conversa dela com o João [Santana]. O Lula queria ser o candidato de 2014. Era tipo assim — 2010 ele sai, colocava apadrinhada lá, mas 2014 voltava a ser candidato”, disse Mônica.
Em nota, a ex-presidente Dilma Rousseff classificou o teor da delação premiada do casal como “falso e fantasioso”. “Dilma Rousseff acredita que, ao final de mais uma etapa desse processo político, como já provado anteriormente em relação a outras mentiras em delações premiadas, a verdade virá à tona e será restabelecida na Justiça”.
Também em nota, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou categoricamente que os depoimentos são mentirosos. “Hoje está muito claro que citar o nome de Lula tornou-se condição obrigatória para que réus e até condenados obtenham os favores na promotoria no âmbito da Operação Lava Jato. Há pedido formal de investigação protocolado na Procuradoria-Geral da República com base em denúncia veiculada por órgãos de imprensa”.