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‘Meu marido não era lixo’, diz esposa do gari assassinado em Belo Horizonte

Liliane França, de 44 anos, busca justiça pelo crime

Por Paula Freitas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 set 2025, 17h03 - Publicado em 5 set 2025, 06h00

Meu marido, Laudemir Fernandes, gari de profissão, foi assassinado a tiros por um empresário, enquanto trabalhava, em Belo Horizonte. É a mais grave violência que já sofreu, mas, infelizmente, não a única. Quase todo dia, ao chegar em casa, ele me contava toda sorte de agressões verbais e simbólicas sofridas no trabalho — digno, aliás, como qualquer outro. Um dos episódios mais marcantes ocorreu no ônibus, no qual embarcava de madrugada. Lau, como costumava chamá-lo, vestia o uniforme brilhando de tão limpo, mas uma mulher se recusou a sentar-se ao seu lado. Ele cochilava e acabou sendo acordado com o burburinho. Para não incomodar, levantou-se e ficou na escada do coletivo, tomando vento gelado na cara. Por vezes, o ataque não tinha disfarces. “Vou passar com o carro por cima de você”, escutava com frequência de motoristas apressados.

As intimidações, no entanto, nunca haviam se concretizado. Até Renê da Silva Nogueira Júnior cruzar o caminho de meu esposo. O caminhão de coleta atravancava o trânsito e o empresário se irritou com a lentidão. Após ameaçar a motorista da equipe, sacou uma pistola e atirou a esmo. Laudemir, que continuava o seu trabalho em meio à confusão, acabou atingido. Socorrido, não resistiu e morreu no hospital. Naquela manhã, estranhei ele não ter me ligado para dividir as tarefas do dia, como sempre fazia. Telefonei para a irmã dele perguntando se sabia onde ele estava. Imaginei que pudesse ter ficado na portaria do serviço, onde costumava conversar e organizar a rota de limpeza urbana. Na hora do almoço, minha cunhada me ligou, aos prantos, para contar o ocorrido. Minha sogra, em choque, havia recebido a notícia pela TV. Fiquei sem chão, precisei ser amparada pelos colegas de trabalho. Mas não podia fazer nada, só chorar.

O Laudemir era devoto à família, estava sempre preocupado em nos agradar. Um paizão para a filha Nicole, de 15 anos, e para minhas duas meninas de outro relacionamento, adotadas como se fossem dele. Estão todas desoladas. Não consigo entender como Renê foi capaz de cometer um homicídio a sangue-frio. Atirou e decidiu passear com os cachorros e malhar na academia, de onde saiu preso. Para ele, a vida de meu marido não tinha valor. Creio ter sido movido pelo preconceito, pelo racismo e pela certeza de impunidade. Principalmente por ser casado com Ana Paula Balbino, uma delegada a quem a arma pertencia. A vida dela também foi destruída, já que foi afastada do cargo e está sob investigação da corregedoria. Sinto, em meu coração, que ela também é vítima dele. Mas foi negligente por não ter cuidado adequadamente de seu instrumento de trabalho. Agora, a defesa de Renê alega que ele tem problemas psiquiátricos, mas isso só agrava a situação. Quero punição para os dois, conforme determina a lei.

Desde que o caso ganhou as manchetes, recebi uma onda de solidariedade, com mensagens diárias de apoio de desconhecidos, se compadecendo pela tragédia. Muitos desejam a morte de Renê. Eu não. Sei que a justiça brasileira é muitas vezes lenta, mas estou disposta a ir até o fim para o crime não ficar impune. Sigo recebendo relatos de empregados de limpeza urbana, vítimas de ofensas. Quero que os coletores tenham dignidade, segurança e sejam tratados com o merecido respeito. É preciso instalar câmeras e alarmes nos caminhões. É duro ser gari. Não é apenas a bala que mata. São muitas as histórias de funcionários gravemente feridos por cacos de vidro, seringas e outros materiais perfurantes. A população precisa tomar consciência e respeitar esses profissionais que se dedicam a cuidar da cidade. Se depender de mim, eles não serão mais invisíveis. Meu marido era um homem amoroso, um pai dedicado e um bom trabalhador. Não era lixo.

Liliane França em depoimento a Paula Freitas

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960

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