Por sua localização, tamanho, importância econômica, características de sua população e grau de influência dos vizinhos, Minas Gerais é considerado por muitos a síntese do Brasil. O norte do estado é parecido com o Nordeste, enquanto a economia do oeste tem mais a cara do agro do Centro-Oeste. Já o sul é mais espelhado com São Paulo, e o leste, com o Rio. Isso se reflete na formação da sociedade de diversas formas, como nos sotaques e costumes. E também no comportamento nas urnas. Nas disputas presidenciais, a sentença do eleitor local sempre se confundiu com a do país — desde a redemocratização, nunca um político chegou ao Palácio do Planalto sem a unção dos mineiros. Se isso continuar valendo para as próximas eleições, pode-se esperar muita incerteza: o cenário no estado é hoje bastante confuso, com vários grupos políticos disputando espaços e pouca clareza de, ao fim, para onde penderá o segundo maior colégio eleitoral do país.
O jogo truncado no estado pode ser muito bem simbolizado pela sua capital, Belo Horizonte, o terceiro maior município em eleitores do país. Nada menos que dez pré-candidatos almejam a cadeira hoje ocupada pelo prefeito Fuad Noman (PSD), que vai tentar um novo mandato. A pesquisa mais recente, feita pela AtlasIntel no final de abril, traz o deputado estadual Bruno Engler (PL), nome do bolsonarismo, na liderança, seguido pelo deputado federal Rogério Correia (PT), o candidato de Lula (veja o quadro). Mas outros levantamentos apontam diferentes cenários, alguns mais pulverizados, e todos indicam poucas certezas sobre favoritismos.
Analistas arriscam, no máximo, apontar a possibilidade de um embate final no segundo turno entre direita e esquerda. Para Malco Camargos, doutor em ciências políticas e diretor do Instituto Ver, os nomes que saem na frente são aqueles que têm maior recall de campanhas anteriores — Engler foi ao segundo turno em 2020, enquanto Correia tem dois mandatos de deputado estadual e dois de federal consecutivos. Já Noman nunca disputou uma eleição (era vice e assumiu em 2022 após o prefeito Alexandre Kalil sair para disputar o governo). Em sexto lugar, com 5%, é o prefeito de capital em pior situação na largada.
No páreo estão candidatos apoiados por cabos eleitorais nacionais de peso, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), além de caciques locais, como o governador Romeu Zema (Novo) e o deputado Aécio Neves (PSDB). Embora haja muitos padrinhos, o peso deles na eleição ainda não produziu grandes resultados. A candidata de Zema, a secretária estadual de Planejamento, Luisa Barreto, tem 1,6%. “O que caracteriza até agora a disputa é a ausência de candidaturas fortes que representam o poder municipal e estadual, além da limitada influência de lideranças regionais e nacionais”, avalia Camargos.
Os principais campos políticos do país hoje, a direita bolsonarista e a esquerda, estão fragmentados na disputa. Engler e Correia se apresentam como pré-candidatos de Bolsonaro e de Lula, mas há concorrência dentro dos campos que representam. A esquerda tenta se aglutinar — hoje, além de Correia, há a deputada federal Duda Salabert (PDT) e a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL). No dia 23 de maio, os presidentes do PT, Gleisi Hoffmann, e do PDT, Carlos Lupi, e seus pré-candidatos fizeram uma reunião para tentar um acordo. “A ideia é juntar forças para garantir ao menos um nome do campo no segundo turno”, diz Correia. Para o PT, a candidatura na capital mineira é considerada estratégica porque seria a única das três maiores cidades do Sudeste onde o PT teria candidato próprio, já que decidiu apoiar Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo e estará com Eduardo Paes (PSD) no Rio. Esses apoios, mais os dados ao PSB em Curitiba e no Recife, são o maior argumento petista para liderar a esquerda em Belo Horizonte.
Atrás dos candidatos de direita e esquerda, o centro tenta se organizar. Mas há problemas. Um deles é a incerteza em torno do PSD, partido de Noman, de Kalil e do ministro de Minas e Energia e senador Alexandre Silveira. Noman tem como principal desafio se tornar conhecido do eleitor. Ele aposta em obras da prefeitura, mas o apoio de Kalil, considerado fundamental, não está garantido. “Respeito a posição dele e qualquer decisão que tomar não vai abalar nossa amizade”, diz o prefeito. Já Kalil lembra que não teve o apoio de Noman quando disputou o governo. “Ele disse que estava ocupado com a prefeitura”, relembra. Isso, segundo ele, o deixa à vontade para tomar a decisão que quiser. Kalil deixou a prefeitura com alta aprovação e é considerado ainda hoje o principal cabo eleitoral em Belo Horizonte. Ele sabe disso, e tem conversado com pré-candidatos de todas as siglas, “menos do campo bolsonarista”.
Kalil, como diz o adágio popular, está “com um olho no peixe e outro no gato”. Enquanto articula para a eleição municipal, mira as disputas de 2026 e a possibilidade de formar uma frente ampla em torno de seu nome ao governo. Em 2022, ele teve o apoio até de Lula, mas foi batido por Zema ainda no primeiro turno. O ex-prefeito, no entanto, não é o único a fazer política hoje olhando lá na frente. Além de ser um estado estratégico para a eleição presidencial, Minas está com a disputa ao governo em aberto. Zema, no segundo mandato, não pode disputar a reeleição, mas tenta cacifar o vice, Mateus Simões (Novo) — que é quem articula a candidatura de Luisa Barreto à prefeitura. Zema, que já sonhou (ou ainda sonha) com uma candidatura presidencial, pode ter de viabilizar uma candidatura ao Senado como plano B. O governador tem feito sinalizações ao PL, como a nomeação da deputada estadual Alê Portela para o seu secretariado, o que é visto como abertura de possibilidade de aliança, inclusive para a prefeitura. O PL tem hoje a maior bancada de deputados federais e estaduais de Minas Gerais.
Quem também ensaia o seu voo de fênix de olho em 2026 é Aécio Neves. Governador por dois mandatos, com ótimas aprovações, ele caiu em desgraça com a Lava-Jato, mas busca de novo ganhar altura. O tucano tenta viabilizar a candidatura de seu ex-secretário, João Leite, a prefeito, mas seu grau de influência em Belo Horizonte é baixo — o último prefeito do partido foi Eduardo Azeredo, há trinta anos. No PSDB, a candidatura própria em Belo Horizonte ainda é vista como uma “hipótese”, e as conversas giram em torno da possibilidade de Leite integrar uma chapa como vice. A ordem no PSDB é lançar o maior número de candidaturas a prefeito para recuperar o espaço perdido e alavancar um voo maior daqui a dois anos. Outro que deve tentar o governo é Rodrigo Pacheco, que articula o apoio a Noman de legendas como o União Brasil, de seu aliado no Senado Davi Alcolumbre (AP).
A disputa por Minas mobiliza os principais partidos por todo o estado. PT e PL terão confrontos diretos nas principais cidades, como Contagem, Uberlândia, Montes Claros, Governador Valadares e Juiz de Fora — praças onde há a possibilidade de segundo turno. No estado, o PT possui 273 pré-candidaturas a prefeitos e vice. Já o PL discute lançar candidatos em cerca de 400 cidades. A busca não é só pelo controle do grande número de prefeituras (15% do país), mas para garantir sustentação no estado que tem 17 milhões de votantes (10% do eleitorado brasileiro), que podem manter a escrita mineira e ser decisivos para os rumos do país nos próximos anos.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895