“Formação!”, urrou a jovem de 27 anos conhecida como Sara Winter. Era a palavra de ordem para seus apoiadores, antes sentados em cadeiras de praia, subitamente se levantarem, formarem filas lado a lado e se postarem em posição de sentido. “Trezentos! Brasil! Ahu, ahu, ahu”, responderam com o grito de guerra. Havia não mais do que vinte pessoas, e a ativista convocava mais gente “para fazer volume” para a fotografia. Antes disso, a vaidosa Sara dedicou-se a cobrir o rosto de maquiagem — tudo na medida para ser filmado por jornalistas estrangeiros que estão preparando um documentário sobre ela e o grupo 300 do Brasil, que conquistou impressionante notoriedade ao realizar um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal carregando tochas de fogo (daquelas normalmente utilizadas em luaus de adolescentes), usando máscaras de filmes de terror (15 reais a unidade em lojas de conveniência) e entoando cânticos estranhos. A cena, bizarra, remeteu ao grupo supremacista Ku Klux Klan, conhecido por perseguir e matar negros nos Estados Unidos.
VEJA passou a última terça-feira no acampamento improvisado do grupo na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Sara Winter, na verdade, se chama Sara Fernanda Giromini (o Winter foi inspirado numa cantora). Ela já foi esquerdista fervorosa, integrou o movimento feminista Femen e aprendeu táticas de guerrilha na Ucrânia. Depois, se converteu à adoração ao ex-astrólogo Olavo de Carvalho e ao presidente Bolsonaro. Hoje, odeia o feminismo e está cobrindo a tatuagem de Frida Kahlo (pintora mexicana ícone do movimento) em seu antebraço com uma imagem sacra. O pai é um homem negro e que já foi alvo de inúmeros casos de preconceito. O ato em frente ao STF, segundo ela, foi uma inspiração divina. “Assustou, né? É isso que a gente quer. A gente trabalha com o medo quando entende que uma autoridade comete atos ilegítimos e não pode mais contar com o nosso respeito”, diz a líder do movimento.
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Clique e AssineCandidata a deputada federal pelo DEM em 2018, Sara recebeu apenas 17 000 votos e não se elegeu. Mesmo assim, a paulista mudou-se para Brasília e conseguiu um emprego no Ministério dos Direitos Humanos. No fim de abril, ela decidiu montar o grupo de direita cuja principal pauta é dar suporte ao governo Bolsonaro e rivalizar com ministros do STF. A ativista mantém em sigilo a quantidade de apoiadores que a seguem. Ao vivo, parecem bem poucos. No acampamento erguido ao lado do Ministério da Justiça, há apenas catorze barracas individuais. Durante o dia até há uma rotatividade maior, mas nada que provoque muita aglomeração (quase ninguém usa máscara). A rotina do grupo inclui hastear a bandeira do Brasil todo dia, cantar o Hino Nacional e o da Independência e se confessar a um padre todos os domingos, além, é claro, de gritos contra os ministros do Supremo.
Sara Winter foi alvo de busca e apreensão no inquérito das fake news e, conforme revelou a coluna Radar, já há até um pedido de prisão em seu nome no Ministério Público. Indiferente à ameaça, ela xingou o ministro Alexandre de Moraes e o conclamou a “trocar alguns socos”. A VEJA, disse que já deixou o filho com a mãe, repassou a senha das redes sociais a um amigo e que não teme ir para a cadeia. “Em nenhum país onde o Judiciário é sério isso aconteceria. Eu posso brigar com o ministro, posso ter vontade de matá-lo. Mas é a expressão da minha vontade. Nada aconteceu”, afirma. E vai além: “Quando eu era feminista, esquerdista, depredei patrimônio público, incorri em crimes de ato obsceno, desobediência, desordem. Nunca respondi por isso e nunca me prenderam”, compara, ressaltando o que seria um viés preconceituoso contra a direita. Resumo da ópera: a melhor definição sobre o grupo dos 300 partiu mesmo do ex-ministro Sergio Moro: “Tão loucos mas, ainda bem, tão poucos”.
Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690