Desde que foi lançado, há dez anos, o programa Minha Casa Minha Vida transformou em realidade o desejo de mais de 4 milhões de brasileiros, injetou 100 bilhões de reais na economia, rendeu votos a muitos políticos e, para não fugir à regra, também deixou muitos esqueletos no armário de malfeitos. Em novembro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou um relatório ao presidente da Caixa Econômica, Pedro Guimarães, com o resultado de um levantamento produzido pela Controladoria-Geral da União (CGU) que identificou contratos para construir mais de 17 000 unidades habitacionais sem que houvesse previsão orçamentária, o que é irregular. A operação foi realizada ao apagar das luzes do governo Temer, precisamente na véspera do Natal do ano passado, e autorizada pelo então ministro das Cidades, Alexandre Baldy, atual secretário do governador de São Paulo, João Dória. Valor do contrato: 1,4 bilhão de reais.
Os auditores concluíram que a operação expôs o patrimônio da Caixa a riscos — isso considerando apenas a mais ingênua das hipóteses levantadas para explicar o caso. O banco informou que, na época, avisou o ministro Baldy sobre a impossibilidade de contratar novas obras por falta de recursos. Apesar do alerta, o Ministério das Cidades determinou que o processo seguisse em frente. Em sua defesa, Baldy diz que não houve nenhuma irregularidade, já que os pagamentos não seriam desembolsados de uma só vez, e sim a partir de um cronograma previsto ao longo das obras. Além disso, segundo ele, as contratações foram efetivadas na gestão do presidente Jair Bolsonaro, o que atestaria a lisura do procedimento. “Todos os processos foram legais”, garantiu o ex-ministro. Não é o que diz a Caixa. “Esclarecemos que a atual gestão não compactua com o ocorrido”, avisou o banco em nota, informando que já suspendeu metade dos acordos.
Existem outros problemas graves no Minha Casa Minha Vida. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, há 44 626 residências inacabadas espalhadas por 1 895 pequenos municípios em todo o país. Um documento interno ao qual VEJA teve acesso ressalta que, por causa disso, muitas famílias “tiveram suas antigas moradias demolidas e hoje se encontram em casas de parentes, alojadas de forma provisória no próprio terreno em que estão sendo construídas as unidades habitacionais ou temporariamente em programas de aluguel social”. Há vários exemplos de má gestão do programa. Em Sapeaçu, a 135 quilômetros de Salvador, na Bahia, um conjunto habitacional cujas obras já se arrastavam por seis anos foi invadido. Em Zé Doca, município localizado a 312 quilômetros de São Luís, no Maranhão, unidades já construídas estão abandonadas em meio a um matagal. Faltam água, luz e rede de esgoto. Em certos casos, as residências foram erguidas em áreas tão íngremes que ninguém se interessou por elas.
O Ministério do Desenvolvimento Regional anunciou que pretende editar uma medida provisória para determinar que todas as obras atrasadas sejam concluídas em até trinta meses. Caso contrário, as construtoras responsáveis pelos empreendimentos terão de devolver os recursos recebidos. Para finalizar os projetos em andamento, a Caixa ainda vai desembolsar mais 130 milhões de reais. Depois dessa etapa, o governo diz que pretende reformular totalmente o programa, que deve, inclusive, mudar de nome. Uma das iniciativas em estudo é criar uma espécie de “vale-habitação” para a população de baixa renda em municípios de até 50 000 habitantes. Como não há recursos para atender todos, a ideia é fazer um cadastro dos interessados e sortear cartas de crédito que poderiam ser usadas para comprar um imóvel, construir ou simplesmente reformar. “A gente identificou que hoje o Minha Casa Minha Vida não está atendendo quem mais precisa nem onde é mais necessário”, disse a VEJA o ministro Gustavo Canuto. E conclui: “Na nossa visão, o programa foi feito para resolver o problema das pessoas que estão em situação de moradia indigna, e não para atender construtoras e incorporadoras”. Que se mude então o programa e os culpados ou incompetentes sejam punidos.
Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664