No mesmo dia em que disse que deixaria a cargo dos prefeitos do Rio de Janeiro a decisão de decretar ou não o lockdown para combater o novo coronavírus, o governador Wilson Witzel (PSC) encaminhou ao Ministério Público um ofício afirmando que está elaborando uma proposta de isolamento total no estado. Apesar de apresentar uma série de medidas a serem adotadas no caso do lockdown, Witzel em nenhum momento afirmou que irá colocá-las em ação. Ele vem falando que cabe à Justiça arbitrar sobre o assunto.
Segundo VEJA apurou, há uma tendência no Ministério Público fluminense de que a promotora Gláucia Santana entre com uma ação pedindo adoção do lockdown. Nos bastidores, a Força-Tarefa Atuação Integrada na Fiscalização das Ações Estaduais e Municipais de Enfrentamento à Covid-19, da qual a promotora faz parte, entende, por ter apenas sugerido as medidas a serem adotadas, o relatório de Witzel é insuficiente para frear o avanço do novo coronavírus no estado.
Vale lembrar que a quarentena está decretada até a próxima segunda, 11, e não foi definido pelo governador se o isolamento será ou não adiado — em São Paulo, João Doria prorrogou a quarentena até o próximo dia 31.
No documento ao MP, Witzel chega a enumerar como medidas do eventual lockdown o bloqueio de todas as rodovias estaduais e intermunicipais, a proibição expressa de circulação de pessoas e veículos particulares (exceto para atividades essenciais), o uso obrigatório de máscara e a criação de documento de autodeclaração preenchido por quem precisar circular nas ruas.
O ofício, elaborado em conjunto com o Conselho de Experts, como é chamado o grupo de técnicos que o está subsidiando, foi entregue na data limite determinada pelo MP para que o governo elaborasse um estudo embasado em análises sobre informações estratégicas em saúde, vigilância sanitária, mobilidade urbana e segurança social que justificassem ou condenassem a adoção do lockdown no estado. Na quarta, 6, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que participa da comissão, se manifestou favoravelmente à implementação da medida, em particular, na região metropolitana.
Na reunião fechada e realizada virtualmente na quinta-feira 7, foi considerado que “o aumento dos casos graves de covid-19 no estado do Rio de Janeiro está caminhando para o consequente colapso do sistema de saúde. É fato também que a subida ainda não atingiu o seu auge e, ao que tudo indica, os esforços empreendidos para ampliar a rede de serviços de saúde têm sido insuficientes para estabelecer uma retaguarda segura diante da elevação da ocorrência de casos graves”, diz o trecho do documento. No texto, o governador afirma ainda que a gravidade da epidemia se expressa no adoecimento e ocupação de leitos hospitalares, especialmente públicos, por grupos etários mais jovens, abaixo de 50 anos, além dos idosos.
O governador admite ainda que a população fluminense não aderiu, na proporção em torno de 70% que se esperava, às medidas de isolamento social e que, como alinhavou o relatório da Fiocruz, a experiência internacional mostrou que o aprofundamento das medidas restritivas foi fundamental para a redução do número de casos e óbitos.
“O plano de saída do lockdown deve incluir um conjunto de medidas voltadas para a saúde da população e da economia do estado, sendo pontuado por indicadores que balizarão os momentos ou fases dessa abertura, que será lenta e gradual”, continua o texto. O documento garante ainda a aplicação de testagem de massa para monitorar a intensidade do nível de contágio entre a população. Além disso, medidas específicas para a população mais vulnerável, como a distribuição de alimentos e produtos de higiene, devem ser tomadas de forma integrada com as prefeituras e com lideranças comunitárias das favelas e bairros da periferia.
Na terça (5), Witzel anunciou que reforçaria a fiscalização para punir quem descumprisse o isolamento social. O governador explicou que serão fechados e multados os estabelecimentos comerciais que não estão autorizados a funcionar, por não serem prestadores de serviços essenciais. Além disso, de acordo com Witzel, as pessoas que forem flagradas em aglomerações serão levadas para a delegacia e serão autuadas pelo crime de desobediência. Dados do governo mostram que 60% da população estão nas ruas. “Estamos intensificando essas medidas para impedir que a população se contamine e tenhamos mais pessoas indo para os hospitais públicos e privados, que estão no seu limite de atendimento neste momento”, disse.
Hospitais de campanha
Até o momento, dos dez hospitais de campanha previstos para serem inaugurados em abril pelo governo do estado, apenas a unidade do Leblon está funcionando – com capacidade de 200 leitos, metade já foi disponibilizada para atendimento. A expectativa é que o restante seja entregue até o fim do mês de maio, quando 1800 leitos, sendo 590 destinados para Unidade de Tratamento Intensivo, estariam disponíveis aos doentes. Os primeiros a serem inaugurados devem ser Maracanã, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Entre os motivos que causaram o atraso está a corrupção na compra emergencial de respiradores para pacientes com covid-19.
Esse foi o motivo da prisão do ex-secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro Gabriell Neves em uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público estadual. Neves e mais três pessoas, que também foram detidas, foram presas no mesmo dia em que ocorreu a reunião para definir a adoção de lockdown no estado. Em entrevista exclusiva a VEJA, em 24 de abril, ele responsabilizou seu ex-chefe, o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, por ter autorizado todos contratos de quase um bilhão de reais, mas negou irregularidades.
Além dos respiradores, foram adquiridos testes rápidos e máscaras sem licitação. O valor total previsto no contrato das unidades de saúde é de R$ 770 milhões por seis meses de operação. Gabriell Neves foi exonerado pelo governador Wilson Witzel em dia 20 de abril exatamente por denúncias de vantagens indevidas.