Museu Nacional mantém sua capacidade de fazer ciência, diz diretor
Aulas, defesas de teses e dissertações da instituição foram retomadas. Incêndio que destruiu parte do acervo completa um mês
Um mês depois do incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, pesquisadores, servidores, estudantes e colaboradores trabalham intensamente para recuperar parte do que foi destruído pelo fogo. O diretor do museu, Alexander Kellner, disse que há um esforço coletivo para recompor o acervo, dar continuidade às pesquisas e planejar a reconstrução da instituição que abriga seis importantes programas de pós-graduação.
Ele informou que as aulas, defesas de teses e dissertações foram retomadas e a produção de conhecimento não parou. “O Museu Nacional perdeu parte de seu acervo, mas não perdeu a capacidade de criar conhecimento e fazer ciência”, disse o diretor. Kellner acrescentou que “os alunos estão defendendo suas teses e dissertações e, dentro desse contexto, estão gerando conhecimento. À medida que isso vai avançando, você coleta material, estuda e isso vai virando acervo. Isso nos dá a certeza de que vamos reconstruir o nosso acervo ao longo dos anos”.
Reconstrução
Além do acervo que é reunido a cada novo trabalho, grupos de pesquisadores discutem que tipo de itens podem ser pedidos a outras instituições que se colocaram à disposição para ajudar. Áreas como a entomologia (estudo dos insetos) e a antropologia social estão entre as que mais precisarão de doações, porque tinham acervos frágeis que estavam armazenados no palácio. “A casa tem que dizer para o mundo que tipo de acervo quer que integre nossas coleções. Estamos nessa fase”, afirmou Kellner.
As doações de material para pesquisas são necessárias, mas as peças para exposição ainda vão depender da reconstrução dos espaços para a exibição ao público. Antes disso, no entanto, há uma série de etapas a ser superadas. A Polícia Federal ainda investiga as causas do incêndio, e trabalhos emergenciais de escoramento e cobertura do prédio estão em curso para dar segurança aos investigadores e aos pesquisadores que vão resgatar peças soterradas pelo desabamento.
A contratação de uma empresa responsável por essas intervenções se deu a partir da liberação de recursos emergenciais do Ministério da Educação, ao qual o Museu Nacional está vinculado como instituição que integra a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo o diretor do museu, a intenção é terminar a cobertura e o escoramento o mais rápido possível, mas o prazo estabelecido para realizar o trabalho era de 180 dias. “Em linhas gerais, a gente quer ver se já pode ter acesso a material [soterrado no museu] antes disso, à medida que forem escorando diferentes partes [do palácio]”,disse Kellner.
Acervo
Uma equipe de pesquisadores elaborou o protocolo que define as normas para buscas do acervo que está no palácio. O trabalho foi coordenado pela professora Claudia Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da própria instituição, e também contou com a colaboração dos especialistas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O início das buscas só depende da garantia de que a estrutura está escorada e não corre risco de novos desabamentos.
A vontade de salvar o acervo do museu e seu próprio trabalho de pesquisa levou pesquisadores e servidores a entrarem no palácio durante o incêndio. Um deles foi o biólogo Paulo Buckup, que entrou e saiu diversas vezes do prédio em chamas para resgatar peças, documentos e registros sob o teto, que poderia desabar a qualquer momento conforme o fogo avançava nos andares superiores.
O esforço de Buckup salvou um disco rígido que permitiu manter o calendário de defesa de teses e dissertações do Departamento de Zoologia. Na mesma semana do incêndio, um desses trabalhos pôde ser apresentado. “Só penso que, se eu pudesse, eu teria feito mais. Não me arrependo de nada. Todos os meus colegas que fizeram coisas similares foram muito fundamentais e representam a resistência do Museu Nacional no sentido de superar a adversidade”, afirmou.
Arte
Curadora da exposição Kumbukumbu, de arte africana, Mariza Soares disse que perdeu praticamente tudo, à exceção de peças de metal que podem ter resistido ao fogo. Ela tem trabalhado em seus próprios arquivos para disponibilizar para a sociedade o máximo de conhecimento sobre as peças destruídas.
A exposição organizada por Mariza Soares tinha artefatos doados pelo reino africano de Daomé à família imperial brasileira, e peças insubstituíveis foram destruídas. “Meu desafio é descobrir como vou poder construir vias de acesso a pesquisadores mais jovens, para que possam construir trabalhos sobre esses acervos”, acrescentou.
Mariza Soares disse ainda que, no caso da exposição africana, reconstituir o acervo pode não ser a opção mais adequada porque há uma demanda global para devolver aos países africanos as peças de arte e arqueologia que foram retiradas deles no período colonial e da escravidão. Ao produzir artigos e pesquisas com seus próprios arquivos, Mariza espera colaborar com essa devolução: “Gostaria, de alguma forma, conseguir tentar alguma restituição a eles. Esse era um patrimônio que era deles”.
Abraço
Pesquisadores, servidores e amigos do Museu Nacional do Rio de Janeiro farão nesta terça-feira um abraço para marcar um mês do incêndio que destruiu o palácio e parte do acervo. O objetivo é somar forças em prol da mais antiga instituição científica do país, que completou 200 anos de fundação.
O local é referência da memória científica, cultural e histórica do Brasil, além de um acervo de história natural, arqueologia e culturas indígenas e africanas. O Museu Nacional funcionava no palácio que foi residência da família imperial brasileira, na Quinta da Boa Vista, parque municipal da Zona Norte do Rio.