Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Na contramão do país, parte do Judiciário resiste à volta ao presencial

A retomada das audiências presenciais não é uma questão menor. O uso dos sistemas virtuais não substitui totalmente o encontro entre o juiz e as partes

Por Tulio Kruse Atualizado em 4 jun 2024, 12h28 - Publicado em 20 ago 2022, 08h00

A necessidade de proteção contra a pandemia da Covid-19 impactou o mundo de forma radical, há mais de dois anos. O Brasil, de modo geral, adotou a correta política do “fique em casa”, uma recomendação científica para evitar que o vírus circulasse, e viu popularizar no país o termo home office, usado para designar os postos avançados de trabalho que cada cidadão criou em seu lar. Hoje, a maior parte da sociedade faz (ou já fez) o caminho de volta à normalidade após a queda no número de mortes e infecções, mas há casos em que o retorno ocorre com dificuldade, como infelizmente tem sido verificado em boa parte dos tribunais brasileiros. A resistência à volta à rotina pré-pandemia não é incomum — tem ocorrido no serviço público, na iniciativa privada ou nas instituições de ensino —, mas, quando envolve um setor importante, há risco de agravar situações já delicadas e comprometer um direito que o cidadão precisa ver garantido: o acesso à Justiça.

Um caso que ilustra bem o problema ocorreu no Rio de Janeiro, com o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), um dos principais fóruns trabalhistas do país. Lá, foi preciso que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fosse à Justiça com um pedido de providências para que os magistrados retomassem as audiências presenciais, como determina uma orientação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Na ação, a OAB narra ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um rosário de problemas, com represamento de ações e dificuldade para encontrar os juízes nos locais de trabalho. O CNJ determinou a retomada imediata de audiências e a adoção das sessões presenciais como regra. Em audiência de conciliação ficou acertado que a videoconferência será uma exceção, reservada aos casos em que as partes estejam de acordo. “Os advogados não são contra a audiência telepresencial, e sim que as audiências sejam feitas apenas dessa forma”, afirma o presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira.

RECLAMAÇÃO - Bandeira: o presidente da OAB-RJ foi à Justiça contra tribunal -
RECLAMAÇÃO - Bandeira: o presidente da OAB-RJ foi à Justiça contra tribunal – (@lucianobandeiraoab/Facebook)

O caso está longe de ser exceção. No Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), também no Rio, cinco das oito turmas de desembargadores não fazem audiências presenciais desde que começou a pandemia. Na 8ª Turma, especializada em direito administrativo, por exemplo, os desembargadores Marcelo Pereira Silva, Ferreira Neves, Guilherme Diefenthaeler e Marcelo Guerreiro só se encontraram uma vez, e em 2021. Em razão da baixíssima frequência há, inclusive, uma apuração em curso para verificar se os magistrados dos tribunais com sede no Rio estão residindo fora da cidade, bem como a regularidade de licenças médicas concedidas há muito tempo, com renovações sucessivas.

A postura é tão generalizada que obrigou a cúpula do Judiciário a fazer uma reprimenda recentemente. Em maio, o presidente do Conselho da Justiça Federal, ministro Humberto Martins, e o corregedor-geral, Jorge Mussi, fizeram circular um ofício no qual lembravam a “fundamental importância da presença física das autoridades representativas do Poder Judiciário Federal em suas unidades de lotação”. “A contingência do teletrabalho estabelecida por força da pandemia de coronavírus não afasta a obrigatoriedade de ser mantido o serviço presencial nas seções e subseções judiciárias”, diz o documento, no qual também pedem que os próprios TRFs e as corregedorias regionais fiscalizem o cumprimento da medida.

Continua após a publicidade
DE CASA - Ferreira Neves: o desembargador não vai mais a sessões no TRF2 -
DE CASA - Ferreira Neves: o desembargador não vai mais a sessões no TRF2 – (Sylvio Sirangelo/TRF4/.)

Mais do que uma recusa ao retorno da normalidade, pode estar havendo uma infração à lei. A Constituição e a Lei Orgânica da Magistratura determinam que os juízes devem morar em sua própria comarca. Há suspeitas de que isso não está acontecendo. No Ceará, a OAB enviou um ofício aos tribunais pedindo que eles cumpram essa regra. Em Rondônia, o presidente da OAB regional, Márcio Nogueira, conta que praticamente não encontra os magistrados da Justiça do Trabalho sediados em Porto Velho. Após ouvir relatos de que nem a presidente do TRT14, Maria Cesarineide de Souza Lima, mora na comarca, as OABs de Rondônia e do Acre questionaram formalmente se algum juiz mora fora da área de jurisdição. Em resposta por ofício, a desembargadora Lima recusou-se a fornecer os endereços e disse que esse tipo de informação só interessa ao órgão disciplinar do TRT, não à OAB. “Em alguns casos, temos sérias dúvidas se o magistrado de algum modo tocou naquele processo ou se foi tudo feito por assessores”, afirma Nogueira, que há sete meses tenta marcar uma audiência com a presidente do TRT14. O TRT14 afirma que a presidente mora na comarca e que a informação é inverídica.

A retomada das audiências presenciais não é uma questão menor. Advogados reclamam que não encontram os magistrados em seus gabinetes e não podem discutir os casos ou tratar de qualquer assunto urgente — precisam agendar essas reuniões com atendentes por meio de um sistema digital, enfrentando uma morosidade que não existia antes da pandemia. As dificuldades para tratar alguns tipos de crime e ouvir populações mais vulneráveis é óbvia: há milhões no país com difícil acesso à internet, vítimas de violência doméstica que dividem o teto com seus agressores, testemunhas que podem ler depoimentos escritos que nunca serão mostrados às câmeras e uma miríade de situações que dificultam a confiabilidade dos depoimentos. O uso dos sistemas virtuais é um avanço para a Justiça e abre a possibilidade de vários ganhos, mas não pode substituir totalmente o encontro físico entre o juiz e as partes. No momento em que a sociedade, mesmo que com dificuldade, tenta retomar a vida normal, o Judiciário — poder que usufrui dos maiores salários da máquina pública — não pode deixar de fazer a sua parte.

Continua após a publicidade

Colaboraram José Benedito da Silva e Sérgio Quintella

Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803

Publicidade

Imagem do bloco
Continua após publicidade

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.