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“Não abaixo a cabeça”, diz vereadora trans xingada no plenário

Benny Briolly, 30, conta a dor que sentiu ao ser atacada por deputado bolsonarista

Por Adriana Cruz Atualizado em 4 jun 2024, 11h50 - Publicado em 29 Maio 2022, 08h00
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  • Benny Briolly
    Benny Briolly – (Adriana Cruz/.)

    No meio de uma sessão da Assembleia dos Deputados no Rio, fui surpreendida por um discurso movido a intolerância de meu colega Rodrigo Amorim (PTB), o mesmo deputado da base bolsonarista que quebrou a placa de rua em homenagem à vereadora Marielle Franco. Irritado com o teor do debate, que justamente girava em torno de políticas de inclusão para a população que se identifica sob a sigla LGBTQIA+, ele pegou o microfone e começou a me xingar de “aberração da natureza”, “belzebu”, dizendo que eu era homem, já que havia nascido com testículos. Na mesma hora, comecei a receber mensagens de solidariedade e espanto e vídeos com aquele trecho da fala que eu gostaria de apagar da minha cabeça. Senti revolta, uma profunda indignação, e refleti muito sobre como ajudar a fazer essa questão avançar no Brasil. O país é hoje dono de um pódio que ninguém quer: o que mais mata travestis e transexuais no mundo.

    O início da minha militância foi em casa. Com uns 7, 8 anos, percebi que não queria ser igual a meu pai, mas a minha mãe, que teve a sensibilidade para perceber minhas angústias com gênero. Ela morreu de câncer quando eu tinha 15 anos e fiquei com meu pai, um pastor evangélico para quem foi muito duro aceitar a situação. Vivíamos em atrito. Mas segui em frente e fiz a transição, tornando-me uma mulher trans, um choque para toda a família. O cenário, porém, mudou. Não que meu pai olhe para gente como eu com 100% de naturalidade, só que hoje ele entende que é preciso respeitar os direitos dessas pessoas, como os de qualquer um. E assim, com o tempo, redescobrimos a paz em casa, um alicerce essencial em minha briga diária para não ser vista como uma “aberração”.

    Sou a primeira parlamentar trans eleita no estado do Rio de Janeiro, em 2020, na cidade de Niterói. Em 2013, já estava envolvida com o movimento estudantil e com a luta em prol dos LGBTQIA+. Aí o PSOL me convidou para ingressar no partido. Participo de um projeto voltado para mulheres negras na política, antes tocado por Marielle Franco, e ajudei na campanha de várias deputadas, até que eu mesma decidi me candidatar. Não tem sido uma jornada fácil. Desde que tomei posse, mesmo antes, já recebi mais de duas dezenas de ameaças, de espancamento a morte. Um vereador do partido de Amorim me atacava tão frontalmente que a Câmara de Niterói acabou aprovando uma resolução determinando que esse tipo de ato seria considerado quebra de decoro. Mas ele continua me perseguindo nas redes. Uma vez, recebi um e-mail anônimo dizendo: “Ronnie Lessa (o acusado de matar Marielle) vai te pegar, cuidado com a metralhadora, com o tiro na cabecinha”.

    Para minha segurança, inclusive, deixei o país por um período. Prefiro não dizer para onde fui. Tenho medo. Atualmente, estou no programa da União de proteção aos defensores de direitos humanos. Agentes da Polícia Militar me acompanham em agendas consideradas de risco. Ando de carro blindado com motorista e não chego em casa tarde. Sou monitorada o tempo todo por meus assessores, que vigiam meus passos por meio de um GPS instalado em meu celular. Ir ao supermercado ou sair com meu namorado exige uma logística especial. Com tudo isso, me sinto vulnerável, desamparada e, sobretudo, privada de liberdade. Mas entendo que o melhor contra-ataque ao ódio descabido, produto da falta de compreensão das diferenças humanas, são palavras e ações que semeiam a paz. A violência a que sou cotidianamente submetida me dá força para me lançar contra a barbárie. Após os xingamentos de Rodrigo Amorim, prestei queixa na delegacia e vou processá-lo. Não posso nem vou abaixar a cabeça.

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    Benny Briolly em depoimento dado a Adriana Cruz

    Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791

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