Desde a primeira publicação do seu livro Quando Me Descobri Negra, em 2016, até a nova edição recém-lançada, acredita que, sob o ângulo da discriminação e da desigualdade racial, o mundo melhorou? Eu diria que o mundo mudou. Acho difícil falar que só melhorou. Porque, sim, houve uma tomada de consciência, e acredito que ela seja um passo fundamental para termos mudanças mais profundas. Por outro lado, percebo também um agravamento nas relações sociais. Enquanto as pessoas negavam a existência do racismo ou não falavam de branquitude, tinha ali uma coisa de “vamos fingir que tá tudo bem”. Era algo mais indireto, mas igualmente violento. Mas me parece que também se veem, agora, mais pessoas se afirmando publicamente racistas, falando: “Não, preto é pior, é macaco, não tem lugar aqui”.
Há violências veladas e outras explícitas, então? Sim, e o ponto mais difícil e urgente é o genocídio da população negra, que o movimento negro denuncia há tanto tempo e parece não ser ouvido. Se a gente pensar que o encarceramento em massa dos negros segue crescendo, que eles continuam sendo os alvos prioritários das ações da polícia e que as mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio, aí dá para dizer que a situação está pior. E está pior do que era em 1888, com o fim da escravidão. Não é aceitável que a polícia saia matando negros no meio da rua sem julgamento. Que a nossa população pague impostos para comprar a bala de revólver que mata seus filhos e irmãos. Isso fere nossa Constituição e nosso pacto coletivo. Só que a sociedade naturalizou esses assassinatos, ainda que tenhamos números de guerra.
Qual seria o caminho para reverter essa situação? Não basta ter conversa ou sensibilização da sociedade civil. É preciso de uma política de Estado para interromper o genocídio. Os governadores que continuarem não só permitindo, mas incentivando suas polícias a matarem, têm de sofrer sanções.
Como avalia o papel do Ministério da Igualdade Racial? Não adianta só ter vontade política e uma ministra maravilhosa como a Anielle Franco. Um ministério precisa ter orçamento. E essa pasta, que é uma articuladora, tem uma moeda, pouquíssima verba, se comparada às demais. Então precisamos que o presidente da República e o Congresso priorizem, de fato, o enfrentamento do racismo. Qualquer política pública brasileira tem que considerar a diversidade da população e ter um olhar para a questão racial. Do contrário, continuaremos reproduzindo desigualdades que nos envergonham.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855