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Nestor Forster, embaixador nos EUA: Brasil não teme uma vitória de Biden

Para ele, triunfo democrata exigiria trabalho para ‘desfazer certas percepções’, mas há boa relação com os dois lados e o país não irá perder importância

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 out 2020, 09h51 - Publicado em 30 set 2020, 14h35

A embaixada do Brasil em Washington é um posto tão caro a Jair Bolsonaro que, em uma primeira opção, o escolhido para o cargo havia sido ninguém menos que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho Zero Três. A desistência do inexperiente Eduardo abriu espaço ao experiente diplomata gaúcho Nestor José Forster Junior, 57 anos. Desde 1986 na carreira diplomática, ele foi indicado pelo presidente em novembro de 2019 e teve a nomeação confirmada sem dificuldades pelo Senado apenas na semana passada – a pandemia de coronavírus impediu que a Casa deliberasse antes. Amigo há quase três décadas do escritor Olavo de Carvalho, agora ex-guru do bolsonarismo, Forster falou a VEJA por telefone nesta terça-feira, 29, horas antes do debate em que o candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden, propôs 20 bilhões de dólares para a Amazônia e citou “consequências econômicas significativas” ao Brasil caso a devastação continue. Na entrevista, Forster diz ter ordens para “adensar” ainda mais a relação com o governo americano, atualmente comandado pelo republicano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro. Com Biden em primeiro nas pesquisas sobre a corrida à Casa Branca, o embaixador vê alguns ajustes a serem feitos caso o democrata seja eleito, um “trabalho de esclarecimento”. Ele também diz esperar a entrada em até dois anos do Brasil na OCDE, o clube dos países mais ricos do mundo, conforme prometeu Trump, e defende a criticada política ambiental do presidente brasileiro.

Quais são as prioridades da embaixada do Brasil nos EUA? O que queremos é continuar a adensar a relação com os Estados Unidos e realizar esse potencial imenso que temos, mas nunca foi plenamente explorado. Isso se desdobra em uma relação política muito mais próxima, relações econômicas e comerciais aprofundadas e uma ampliação da agenda de cooperação nos mais variados setores, passando por ciência e tecnologia, educação, defesa e cooperação militar.

Esse trabalho de adensamento da relação seria mais fácil com a reeleição de Donald Trump, não? Uma vitória democrata traria uma certa redefinição de prioridades na política externa americana, mas isso não vai alterar o peso que o Brasil tem nas Américas e o peso dessa relação tradicional, histórica. Isso permanecerá. O Brasil não vai perder importância porque tem esse ou aquele partido no poder. Obviamente, num primeiro momento, teríamos um trabalho de esclarecimento, desfazer certas percepções que possam parecer exageradas.

A relação de Bolsonaro com Trump, a quem o presidente já disse até “I love you”, cria um “risco Joe Biden” ao Brasil? A qualidade das relações de Brasil e Estados Unidos tem quase dois séculos de história e não se prende exclusivamente à relação entre os dois chefes de Estado. É baseada em valores compartilhados pelas duas sociedades: respeito ao Estado de Direito, à democracia, às liberdades individuais, à liberdade religiosa. Quando dois chefes de Estado têm uma grande convergência, isso potencializa e permite que se aflorem iniciativas novas. Agora, em uma democracia, pode-se mudar o governo. O trabalho diplomático é manter os canais abertos e temos mantido uma boa relação com os dois principais partidos. (Nota da Redação: Indagado nesta quarta-feira sobre as declarações de Biden no debate de ontem a respeito da Amazônia, Nestor Forster disse que não se pronunciaria, diante da nota divulgada por Bolsonaro, em que o presidente afirma que o Brasil “não mais aceita subornos”)

A recente visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima, muito criticada por políticos brasileiros, foi um palanque para a campanha de Trump a respeito da Venezuela? A visita buscou assinalar a grande convergência na forma como Brasil e Estados Unidos veem a questão da Venezuela. O Brasil está comprometido em apoiar a transição pacífica e democrática na Venezuela, liderada pelos próprios venezuelanos. É isso que foi assinalado com a visita.

O deputado Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, chegou a ser indicado pelo pai para ser embaixador nos EUA. Ele tem alguma participação na condução das relações Brasil-Estados Uidos? É natural que o deputado, como qualquer parlamentar que ocupe posição de destaque nessa área específica, tenha participação com opiniões, debates trazidos à formulação mais geral. Defendo que continuemos a investir e a ampliar o que chamamos de “diplomacia parlamentar”, que envolve a aproximação direta dos parlamentos, além do trabalho feito pelo Executivo e pelos agentes diplomáticos.

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Mas o fato de ser filho do presidente dá a ele um peso maior? Obviamente, todo mundo sabe de quem ele é filho. Mas é um parlamentar muito atuante na Comissão de Relações Exteriores, foi o deputado mais votado da história do Brasil, tudo isso destaca o trabalho que ele faz.

“O Brasil não vai perder importância porque tem esse ou aquele partido no poder. Obviamente, num primeiro momento, teríamos um trabalho de esclarecimento, desfazer certas percepções que possam parecer exageradas.”

O que o Brasil tem ganhado com tamanho alinhamento aos Estados Unidos? Os Estados Unidos são o maior investidor estrangeiro no Brasil historicamente e continuam a ser, com 71 bilhões de dólares investidos. Na pandemia, houve um trabalho coordenado pela Casa Branca com um pequeno grupo de países, para o qual o Brasil foi convidado, além de doações de mil ventiladores, medicamentos e recursos investidos em programas de saúde na região amazônica. Na ciência e tecnologia, a Agência Espacial Brasileira está conversando com a Nasa para participar do Programa Artemis, o mais ambicioso dos americanos, e o Brasil foi o primeiro país latino-americano a assinar um acordo de pesquisa e desenvolvimento de equipamentos de defesa que os Estados Unidos só têm com outros 14 países. Até o fim do ano ainda devemos anunciar a conclusão de negociações de medidas de facilitação de negócios, boas práticas regulatórias, ações de combate à corrupção e comércio digital, que têm um impacto enorme no setor privado.

Em quanto tempo veremos o Brasil entre os membros da OCDE? O processo está travado por questões políticas e burocracias da OCDE, mas os Estados Unidos estão firmemente engajados no apoio. Na última segunda-feira, conversei com o governo americano sobre isso. Talvez nos próximos meses, até o início do próximo ano, já estejamos em condição de ter formalizado o ingresso. O que precisamos é botar o pé dentro, e os americanos vão nos ajudar. Aí se inicia uma negociação complexa, mas o Brasil tem uma vantagem, porque já integra cerca de 30% dos 290 acordos da OCDE. Não é uma negociação simples, pode levar de um ano e meio a dois anos, se for feita com a urgência que merece.

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Bolsonaro deveria seguir o presidente americano e tirar o Brasil da Organização Mundial da Saúde, como já ameaçou em meio à pandemia? Não sei se isso foi cogitado, mas não foi feito. O Brasil tem uma história longa de presença de participação da OMS, ao mesmo tempo em que nos preocupa o papel que a organização teve. É consenso que faltou transparência no início da pandemia, em janeiro, fevereiro. A informação não circulou com a celeridade e a precisão esperadas de uma organização com a reputação e a história da OMS.

Como têm sido as pressões e lobbies sobre o senhor em Washington a respeito da instalação da tecnologia 5G no Brasil, motivo de disputa entre EUA e China? Não recebi pressão nenhuma de ninguém. Sobre o 5G, o que há é uma preocupação nos EUA em relação à participação de certas empresas que não tem um perfil comparável ao de empresas ocidentais. Isso não está se traduzindo em pressão, ao contrário, o que há é compartilhamento de informações, de preocupações.

Empresas chinesas, como a Huawei, são carta fora do baralho do presidente? Há quem queira reduzir a discussão a uma questão tecnológica, ou uma questão econômico-financeira. É óbvio que essas dimensões são importantes, mas há também a privacidade, a segurança de redes, a segurança jurídica a empresas. O Brasil age com transparência nessa área, preocupado não com esse ou aquele país, essa ou aquela empresa, mas sobretudo com o interesse nacional. O presidente disse que vai tomar a decisão levando em conta todos os aspectos.

Em um encontro no Fórum Econômico de Davos, Bolsonaro disse ao ex-vice-presidente americano Al Gore que gostaria de explorar as riquezas da Amazônia junto com os Estados Unidos. Gore, então, respondeu não ter entendido. O senhor entendeu o que o presidente quis dizer? Não sei exatamente o contexto da conversa, me parece ser um vídeo recortado. O que o presidente tem defendido quando se fala de Amazônia é que precisamos unir desenvolvimento e sustentabilidade. Não podemos olhar pra Amazônia e imaginar que isso possa ser transformado em um parque intocável para europeus e americanos ricos virem passar férias, em detrimento dos brasileiros que moram lá. Temos 25 milhões de brasileiros na região amazônica e eles estão entre as populações mais pobres do país. Esse pessoal precisa ter acesso a serviços públicos, oportunidade de trabalho, renda, é disso que se trata.

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O governo americano já manifestou ao senhor interesse em “explorar riquezas” da Amazônia? Políticas públicas são feitas de uma série de reflexões, não é com vídeo de Davos que vamos decidir alguma coisa. Não é uma equação simples, de achar que vamos acabar com a Amazônia. É óbvio que a Amazônia é um patrimônio imenso do Brasil, todo mundo quer preservá-la, mas a tecnologia permite preservar o meio ambiente e promover alguma atividade econômica, criando oportunidade para quem está lá e precisa disso. A colaboração dos americanos é muito bem-vinda, muitos outros países já colaboram.

O senhor avalia, assim como Bolsonaro, que alguns países escondem interesses por trás de discursos de defesa da Amazônia? Há países que se escondem atrás disso para promover interesses econômicos, protecionismo. Enquanto vemos movimentos de criar restrições a exportações brasileiras, dados objetivos mostram que a atividade agrícola brasileira tem pouco ou nada a ver com a Amazônia. O Brasil se transformou na potência alimentar e agrícola que é com uma revolução tecnológica. A área brasileira usada para agricultura é de 8%, enquanto países europeus têm 50%, 60%, 70% de sua área sendo usada, com impacto ambiental muito grande. Há desculpas porque temem a competitividade do Brasil nessa área.

“Não podemos olhar pra Amazônia e imaginar que isso possa ser transformado em um parque intocável para europeus e americanos ricos virem passar férias, em detrimento dos brasileiros que moram lá.”

O que o senhor tem feito para mudar a imagem internacional negativa do Brasil em relação ao meio ambiente, impulsionada por dados oficiais, e evitar que os negócios do país sejam prejudicados? Tenho trabalhado nisso desde o primeiro dia. Reconhecemos que há desafios e nosso trabalho é promover a realidade, dados objetivos. Não podemos viver só de imagens. Vamos ver o que a imagem tem de real e o que ela tem de desinformação. No ano passado, com discussão sobre aumento de queimadas, tivemos um trabalho intenso com republicanos e democratas, levando dados, gráficos, mostrando a evolução das queimadas, qual o impacto real, dimensionando que não é maior do que foi há alguns anos, que houve um aumento sazonal, anual, que é preocupante e tem que ser enfrentado, mas não é esse fim de mundo.

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Antes de ser candidato à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden já criticou Bolsonaro por sua política ambiental, assim como sua vice, Kamala Harris. Eles estão mal informados? Muitas vezes o político ecoa o que sai na imprensa. A senadora Kamala fez um pronunciamento muito duro em relação à Amazônia e o que eu fiz foi mandar uma carta a ela com a nossa folha de dados, reconhecendo a exata dimensão do problema e o que está sendo feito a respeito. É importante que continuemos nessa linha, para combater a desinformação, a imprecisão de dados, mitos que se criam. Ninguém nega o aumento, mas dizer que a política pública é promover desmatamento e queimada é contrassenso e inverdade.

O senhor concorda com o presidente quando ele, em discurso na ONU, atribuiu incêndios florestais a índios e caboclos? O que ele quis dizer é que são técnicas adicionais, de populações indígenas e dos habitantes das margens dos rios, que conhecem e não tem acesso a outra forma de cultivo. É por isso que precisamos do desenvolvimento sustentável, trazer inovação e tecnologia que permitam exploração sustentável, manejo de florestas, exploração de minérios, psicultura, fármacos de origem florestal, biotecnologia. Há uma série de áreas da bioeconomia que precisam ser exploradas, em benefício da população local.

Como amigo de Olavo de Carvalho, o senhor se considera um “olavista”? Sou amigo do Olavo de Carvalho há 25 anos. Ele tem uma obra filosófica respeitável, como crítico cultural. Ele me foi apresentado pelo Paulo Francis, de quem eu era muito amigo, e o Paulo gostava muito do Olavo, me apresentou e recomendou a leitura de O Imbecil Coletivo, em 1996.

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