No início do ano passado, o governo se empenhou até onde pôde para reeleger Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à presidência do Congresso. O senador não era considerado o candidato ideal, mas era o que havia de mais confiável para garantir o que Lula precisava na largada do seu terceiro mandato: estabilidade política. E assim foi. As pautas prioritárias avançaram, os instrumentos legislativos que costumam ser usados pelos adversários para atingir ou desgastar o Planalto não prosperaram e, mesmo com um tamanho considerável, a bancada de oposição alcançou pouquíssimas vitórias. Em contrapartida, o PSD foi premiado com o comando de três ministérios — Minas e Energia, Agricultura e Pesca. O mandato de Pacheco termina em fevereiro do ano que vem. Oficialmente, o Executivo garante que não pretende interferir na eleição do futuro chefe do Legislativo, o que, em tese, pressupõe que o governo não vai lançar candidato próprio nem apoiar ostensivamente nenhuma candidatura. Em tese.
A campanha pela sucessão de Rodrigo Pacheco começou desde que ele se reelegeu, no início do ano passado, se intensificou nos últimos meses e já reúne vários possíveis pré-candidatos, tendo como os principais, até agora, Davi Alcolumbre, que conta com o apoio de boa parte do colegas, Rogério Marinho (PL-RN), que deve representar a oposição, e Soraya Thronicke (Podemos-MS), que se apresenta como uma espécie de terceira via. Ex-apoiadora de Jair Bolsonaro, a senadora rompeu com o ex-presidente durante a pandemia, disputou a Presidência da República em 2022, ficou em quinto lugar, com apenas 600 mil votos (0,5% do total), e, no segundo turno, não apoiou ninguém. Dos três, Thronicke é a única que já anunciou publicamente a intenção de concorrer ao posto de chefe do Parlamento. Também é a que, supostamente, tem menos chances de ser bem-sucedida, já que, até o momento, nem mesmo os seus correligionários estão convencidos da ideia. A senadora, no entanto, disse recentemente a um aliado que tem duas cartas na manga capazes de catapultar seu nome.
A primeira é o fato de ser mulher. Em 200 anos de história, o Congresso nunca foi comandado por uma senadora. Quem mais se aproximou disso foi a hoje ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB). Em 2021, ela disputou o cargo com Rodrigo Pacheco. Sem o apoio do partido, teve apenas 21 votos, mesmo sendo uma parlamentar conhecida, respeitada e experiente. Thronicke está em seu primeiro mandato e aposta na bancada feminina, formada por quinze senadoras, para começar a viabilizar sua candidatura. O empuxo final, porém, sairia de onde menos se imagina. No fim do ano passado, a congressista contou que participava de uma solenidade no Palácio do Planalto quando foi convidada por Lula para uma reunião reservada. Na conversa, o presidente falou de sua expectativa em relação às eleições das mesas da Câmara e do Senado e não escondeu o desconforto com a situação atual. “‘Não dá para ficar nas mãos do Alcolumbre, do Pacheco e do Lira’”, teria dito Lula. E, na sequência, concluído: “Nós precisamos nos unir”. Thronicke entendeu que o presidente lhe deu sinal verde para a campanha e promessa de apoio.
O Lira citado por Lula é Arthur Lira (PP-AL), reeleito presidente da Câmara no ano passado por um acordo entre o governo e os partidos que seguiu os mesmos moldes do que foi feito com Rodrigo Pacheco. Já Alcolumbre é Davi Alcolumbre (União-AP), ex-presidente do Senado que, na cadeira, aliou-se ao então presidente Jair Bolsonaro. Após a derrota do capitão, Alcolumbre debandou para o outro lado. Foi peça-chave para garantir o apoio do União Brasil a Lula, ampliando a base aliada no Congresso; em troca, o governo entregou à legenda três ministérios — Comunicações, Integração Regional e Turismo —, além de assumir o compromisso de apoiar a volta dele à presidência do Senado em 2025. Não por acaso, coube ao próprio Alcolumbre a escolha de dois dos três ministros. Mas, como teria dito Lula, não é nada confortável para o governo permanecer nas “mãos de Alcolumbre, Pacheco e Lira”.
Um comentário como esse, se de fato aconteceu, pode ser interpretado como uma puxada de tapete de três dos mais poderosos políticos do Congresso e criar um tremendo embaraço. Alcolumbre, por exemplo, quando perguntado sobre seu retorno à presidência do Congresso, costuma lançar mão de seu jeito bonachão para desviar o assunto. Nos corredores do Senado, ele ainda é tratado como presidente — e não é por mera gentileza. O senador espera contar com o aval de Lula e, se eleito, já anunciou que vai continuar tocando a agenda econômica do governo — um ativo e tanto durante as vésperas de uma disputa presidencial. “Se o Davi quiser, com a oposição e o centro, ele derrota o governo e se elege. Mas isso é justamente o que o governo quer evitar, que é vê-lo eleito, mas com o compromisso de priorizar a agenda da oposição”, afirma um dos aliados mais próximos do parlamentar. Resumindo, se Lula realmente falou o que pensa para a senadora Thronicke, ele estaria articulando, como os políticos gostam de dizer, uma facada nas costas. Mas isso é improvável.
Mesmo entre os petistas, não há dúvida hoje de que Alcolumbre será o presidente do Congresso a partir de fevereiro de 2025. Na política, porém, até as certezas são efêmeras. Em dez meses, tempo que falta para a eleição, os ventos podem mudar de direção, aliados podem se transformar em adversários e acordos podem ser descumpridos. É nisso que também apostam o senador Rogério Marinho, o principal nome da oposição, e outras duas senadoras que não descartam a hipótese de entrar na briga, caso os ventos realmente soprem para o lado feminino. A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura no governo de Jair Bolsonaro, é a primeira opção entre os oposicionistas. Do outro lado, Eliziane Gama (PSD-MA) já se apresentou como alternativa junto à bancada governista. Assim como Thronicke, ela também saiu entusiasmada de uma conversa recente com Lula, na qual o presidente teria comentado sobre a oportunidade de ter pela primeira vez uma mulher no comando do Senado. Lula, como se sabe, tem um talento natural para falar aquilo que o interlocutor gostaria de ouvir. Eliziane já deve ter sido advertida sobre isso, mas Thronicke ainda desconhece essa habilidade do presidente e está levando a sério o que escutou.
Em 2018, a senadora do Podemos foi eleita pelo PSL, partido de Jair Bolsonaro. Antes disso, ganhou notoriedade em Mato Grosso do Sul ao organizar protestos pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Hoje, ela se define como independente, contra os extremismos. “O governo quer um nome do meio, um nome que agregue, um nome de confiança que vai cumprir acordos”, diz a pré-candidata. Sobre o aval de Lula à sua candidatura, ela desconversa, mas confirma, sem revelar os detalhes, que já tratou do assunto com o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, e com o petista Jaques Wagner, líder do governo no Senado. Ambos negaram que o Planalto já tivesse fechado qualquer tipo de acordo com Davi Alcolumbre, até porque a determinação do Planalto é a de manter a aparente neutralidade. Talvez a melhor definição sobre a solidez da candidatura de Soraya Thronicke tenha sido dada pela própria presidente do Podemos, Renata Abreu: “Vou botar um bode na sala para todo mundo se chacoalhar”. Um bode de saias.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888