Há dois anos e dois meses no comando da maior cidade da América Latina, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não teve tempo de se preparar para assumir efetivamente o posto. Vereador por dois mandatos e vice de Bruno Covas na eleição de 2020, ele foi alçado ao cargo após a morte do tucano, vítima de câncer. Entre o sepultamento do prefeito, em 16 de maio de 2021, e as suas primeiras agendas como o novo chefe do Executivo se passaram poucas horas. “Não parei nem para chorar”, afirmou Nunes assim que terminou o primeiro dia da nova jornada. Agora, com o controle da gestão e ciente dos problemas da metrópole, o emedebista tem pela frente diversos desafios para convencer os paulistanos de que poderá permanecer no cargo: tornar-se mais conhecido (pesquisas internas indicam que metade do eleitorado não sabe quem ele é), melhorar a avaliação de seu governo e mostrar que pode sair vitorioso na estreia em uma disputa majoritária. Apesar de as pesquisas indicarem que ele não larga como favorito, Nunes tem ao menos três grandes trunfos para vencer em 2024.
Um deles vale ouro em ano eleitoral: o caixa cheio. A prefeitura tem 36 bilhões de reais disponíveis para investimentos neste ano, valor que supera o orçamento total de metade dos estados brasileiros. Nunes prevê gastar 4,6 bilhões de reais em obras de mobilidade, como a construção de dois BRTs na Zona Leste (a região mais populosa da cidade), além de corredores de ônibus e piscinões. Há também a promessa de construir 45 000 unidades habitacionais. Só o programa de recapeamento asfáltico deverá consumir 1 bilhão de reais.
Com obras para exibir, outra aposta será tentar alavancar a imagem por meio de publicidade. A ideia da sua equipe de comunicação é mostrar Nunes como um tocador de obras. Para isso, haverá um grande reforço em campanhas institucionais. Em 2022, a prefeitura gastou 223 milhões de reais com propaganda. Para este ano, somente dois contratos com um par de agências atingiram 200 milhões de reais. Os acordos foram levados pela bancada do PSOL ao Tribunal de Contas do Município sob a alegação de que violam o princípio da moralidade. Ainda não há nenhuma decisão. As propagandas, ao que parece, têm surtido algum efeito: segundo levantamento divulgado pelo Paraná Pesquisas na última quarta, 19, a taxa de aprovação da sua gestão subiu de 52,7%, em maio, para 56,7%, em julho.
Outra carta na manga também não é um ativo desprezível em uma eleição: o apoio de grandes partidos, com a formação de uma ampla aliança de centro-direita. Além do MDB, seu governo reúne PSDB, PL, União Brasil, PSD e PP, entre outros. Para construir uma frente vitoriosa, porém, será fundamental atrair os apoios do governador Tarcísio de Freitas e do ex-presidente Jair Bolsonaro — sem este último, aliás, a chance dele é praticamente nula. Um fator que pode ajudar a aglutinar a centro-direita em torno de seu nome é a dianteira, ao menos por ora, do deputado Guilherme Boulos (PSOL) nas pesquisas. “O Ricardo não é o cara pelo qual as pessoas se apaixonam, mas é competente, sério e trabalhador. É o nome viável e não tem estrelismo”, diz o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos fiadores da empreitada.
A aglutinação de nomes de peso e a união de grandes partidos têm dois objetivos. Um deles é frear ímpetos solitários ou de pequenos grupos da direita que poderiam embaralhar o campo ideológico. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, por exemplo, disse que, apesar da desistência do deputado Ricardo Salles, há gente no partido que defende um nome próprio — e citou o senador Marcos Pontes. Mas o cacique não só não descarta o apoio a Nunes, como sinalizou interesse na vaga de vice. Outro objetivo de uma frente de centro-direita seria reunir musculatura para vencer a esquerda. Além de Boulos, que espera ter apoio de Lula, a deputada Tabata Amaral (PSB) pode concorrer com o aval dos ex-governadores Geraldo Alckmin e Márcio França. “São Paulo é uma cidade de esquerda”, alerta Valdemar, lembrando que Tarcísio e Bolsonaro perderam na cidade em 2022 e que os paulistanos já elegeram Luiza Erundina, Marta Suplicy e Fernando Haddad, todos pelo PT. Ou seja, a frente seria também um teste de fogo para Tarcísio, que espera aumentar o seu cacife eleitoral para 2026.
Um risco que se desenha é que a corrida paulistana reproduza a polarização nacional entre direita e esquerda. Uma eleição plebiscitária tende, como se viu em 2022, a ser menos propositiva. “Isso é ruim para a cidade, que pode ficar sem debater temas locais importantes”, diz o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV. De fato, uma metrópole com 11,4 milhões de habitantes e o terceiro maior orçamento do país precisa aproveitar a eleição para discutir suas prioridades, que vão desde problemas triviais de zeladoria a questões complexas como a cracolândia, que desafia o poder público há três décadas. É para isso que a política existe — e não apenas para vencer eleições.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851