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O governo ficou menor

Ao desperdiçar tempo com questões irrelevantes e brigas desnecessárias, o governo Bolsonaro perde apoio entre seus eleitores

Por Roberta Paduan, Edoardo Ghirotto e Eduardo Gonçalves
Atualizado em 4 jun 2024, 16h37 - Publicado em 5 abr 2019, 07h00
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  • Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro completa 100 dias à frente do governo. No jargão da política, esse período é chamado de “lua de mel”, fase em que os deslizes são perdoados e os defeitos relevados pela maior parte dos eleitores — que, afinal, elegeu o mandatário da vez. Apesar de Bolsonaro ter sido ungido pelas urnas com 58 milhões de votos, sua lua de mel foi muito mais curta que o normal. Entre janeiro e março, a parcela das brasileiros que avaliavam o governo como ótimo ou bom encolheu de 50% para 38%. A perda de apoio também se manifestou no aumento de eleitores que consideravam o governo regular e passaram a classificá-lo como ruim ou péssimo, fatia que subiu para 27%, 5 pontos porcentuais acima do dado de janeiro. No cômputo geral, estima-se que cerca de 15 milhões de pessoas que votaram em Bolsonaro deixaram de avaliar seu governo de maneira positiva, de acordo com a consultoria de pesquisa Ideia Big Data, que fez o estudo a pedido de VEJA. A maioria dos desiludidos está na classe média, fragilizada pela crise (veja o gráfico na página seguinte). Com esses números, o atual governo encerrou março com a menor popularidade em um primeiro mandato desde 1995. O Ibope registrou números semelhantes: queda de 15 pontos porcentuais entre os que avaliavam a atual gestão como ótima ou boa de janeiro a março, derrubando a popularidade de Bolsonaro para 34%. No primeiro mandato, Dilma Rousseff fechou o primeiro trimestre com 56% de aprovação; Lula obteve 51% e Fernando Henrique Cardoso, 41%.

    A perda de popularidade do atual governo deve-se, em boa parte, à fragilidade de seu eleitorado, reunido em um processo eleitoral altamente polarizado. O caldeirão de eleitores do candidato do PSL juntou grupos com expectativas múltiplas, como foram múltiplas (e vagas) as promessas de campanha: combate à corrupção e ao petismo, reforma conservadora dos costumes, segurança pública. O antipetismo, por exemplo, foi excelente para ganhar a eleição, porém é inútil para governar bem. Mas Bolsonaro dá mostras de acreditar que o eleitor que o escolheu comprou o pacote completo — e nem isso é verdadeiro. A pulverização das pautas propicia uma perda mais rápida do apoio popular, pois cria expectativas muito diversificadas. “Nesses casos, o eleito tem maior risco de frustrar o eleitor, por não conseguir cumprir tudo o que prometeu”, diz o cientista político Sérgio Abranches. Por contraste, Abranches lembra que Fernando Henrique, em 1994, e Lula, em 2002, tinham um discurso bem concentrado em pautas concretas — Fernando Henrique falava da estabilização da economia; Lula, de combate à pobreza. Nenhum dos dois sofreu o desgaste rápido que aflige Bolsonaro.

    Hoje, ao menos, o governo tem uma prioridade central — que, no entanto, pouco figurou na campanha e não é uma marca pessoal do presidente: a reforma da Previdência. Trata-se, porém, de um tema difícil de ser explicado à população, pois pode gerar prejuízo imediato e benefício só a longo prazo. “A Previdência não é um plano de governo. É uma pedra no caminho”, diz Milton Seligman, ex-ministro da Justiça no primeiro governo Fernando Henrique. É louvável que Bolsonaro tenha encampado um tema tão urgente para o país, a despeito de sua complexidade e impopularidade. A questão é que para seguir com uma empreitada desse tipo ele precisa criar condições para que o governo trabalhe. Em vez disso, o presidente é apontado como o principal causador de problemas de sua gestão. “Ele gastou a maior parte do tempo com miudezas, em vez de se concentrar nos reais problemas do país”, avalia Abranches. O grosso da população, diz o cientista político, não está preo­cupado com a flexibilização da posse de armas (o primeiro decreto presidencial) nem com a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jeru­salém — um dos tantos projetos que Bolsonaro acalentou e do qual teve de recuar (veja o quadro na pág. 40). Além das miudezas, Bolsonaro não abandona o modo confrontacional de operar, quase sempre recorrendo ao caldeirão ideológico, que infecciona outros temas mais relevantes e mais sérios.

    O ativismo em rede social, embora mantenha mobilizadas as bases mais aguerridas do bolsonarismo, não produz consenso na população. Ao contrário, mantém acesa a chama da polarização. Isso é especialmente verdade quando o presidente se dedica a temas comportamentais bizarros como o infame golden shower — o vídeo da performance pornográfica no Carnaval paulista que Bolsonaro compartilhou no Twitter. “O Carnaval é uma boa época para o presidente ficar quieto, mas ele acabou gerando uma confusão desnecessária”, diz Seligman. David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília, é definitivo: “Não é possível governar um país pelo Twitter”. É palpável o desgaste provocado por discussões fátuas nas redes sociais, envolvendo o presidente, os filhos, ministros e o indefectível guru do governo, Olavo de Carvalho. No Congresso, a fixação do presidente na internet já rendeu um epíteto: “governo bitcoin”. “Tem muito capital político, mas não consegue concretizar as ideias. Tente comprar um cafezinho na lanchonete com bitcoin para ver se você consegue”, explica o deputado Luiz Flávio Gomes (PSB-SP).

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    Longe da nuvem, os problemas do mundo real se impõem. O índice de desemprego teima em manter-se alto, em 12,4% da população economicamente ativa. São 13 milhões de desempregados e quase 5 milhões de desalentados, como são chamadas as pessoas que precisam ou querem trabalhar mas desistiram de procurar emprego formal. Esse último dado é um recorde. E há outro: 27,9 milhões de subutilizados, pessoas que trabalham menos de quarenta horas semanais. De janeiro para cá, as expectativas de crescimento da economia para 2019 escorregaram pela quarta sondagem consecutiva, com a projeção do PIB caindo de 2,6% para 1,98%. São muitas más notícias.

    Tarcisio Freitas e Carlos Alberto Santos Cruz
    ILHAS DE EFICIÊNCIA –  Tarcísio de Freitas e Santos Cruz: ministros bem-vistos (Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo)

    É claro que ninguém esperava um milagre que fizesse a economia bombar em três meses. Mas o mercado e o empresariado, em geral, compraram o projeto apresentado por Paulo Guedes, que prometeu com todas as letras uma agenda liberalizante, que recolocaria o país na rota do crescimento. O cardápio de seu plano econômico é encabeçado pela reforma da Previdência e complementado com uma série de privatizações, além de uma profunda reforma tributária, tudo regado a uma boa dose de austeridade fiscal. Cem dias não são o bastante nem para começar a fazer isso tudo. O período, no entanto, é suficiente para revelar o engajamento do governo e sua capacidade de articulação para tirar os projetos do papel. O empresariado ainda ampara o governo, mas VEJA ouviu sinais de desânimo entre executivos graúdos (nenhum deles, porém, quer declarar isso publicamente).

    Pragmático, o empresariado divide o governo em dois. De um lado, os ministérios funcionais, que têm equipes gabaritadas. Nesse rol, Paulo Guedes é consenso. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, tornou-se unanimidade em elogios, ao realizar os leilões de concessão de dois portos e de um novo trecho da Ferrovia Norte-Sul. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o general Santos Cruz, da Secretaria de Governo, também são bem avaliados. Já a pasta da Educação, a de Relações Exteriores e a de Direitos Humanos, não por coincidência as mais estridentes do ponto de vista ideológico, são definidas com os adjetivos “caótica” e “vergonhosa”. Um empresário disse até que nessas pastas viceja um curioso “petismo de direita” (por óbvio, a expressão é pejorativa). “Quando o governo descamba para a ideologia e para a agenda comportamental, o que nem é papel do Executivo, ele se perde”, afirma um empresário do setor de comércio exterior, que, como os demais, pede que seu nome seja mantido no anonimato.

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    “Aparentemente, não faltam equipe nem ideias dentro do Ministério da Economia, nem no da Infraestrutura. O problema são os sinais trocados enviados pelo próprio governo, e muitas vezes as cotoveladas distribuídas pelo presidente e seus filhos”, afirma um executivo da área de concessão de rodovias. Ah, os filhos, sempre eles! Há duas semanas, os estremecimentos entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o presidente Bolsonaro foram agravados pelo Twitter do Zero Dois, Carlos, vereador carioca. O problema foi contornado, mas deixou cicatrizes: o por­cen­tual de parlamentares que se declaravam favoráveis à reforma da Previdência caiu de 69% para 56%, segundo pesquisa feita pela consultoria Arko Advice com representantes de todos os partidos. A mesma pesquisa revela que a parcela de parlamentares que classificam a relação entre Executivo e Legislativo como ruim ou péssima hoje está em 60% — era só 17% em março. “O Congresso se sentiu desmerecido quando Bolsonaro protagonizou um embate público com Maia, que tem o apoio da maioria dos partidos”, avalia Cristiano Noronha, vice-­presidente da Arko.

    Paulo Guedes
    CONFRONTO – Paulo Guedes, ministro da Economia, defende a reforma da Previdência na Câmara: “Tchutchuca é a mãe!” (Edu Andrade/Fatopress/Estadão Conteúdo)

    Noronha lembra que esta é a primeira vez, desde Fernando Collor, que o presidente inicia o mandato sem uma ampla coligação partidária, que lhe oferece apoio no Congresso desde o primeiro dia. O governo não tem um partido coeso e integrado. O PSL até dispõe da segunda maior bancada da Câmara, com 54 deputa­dos, mas isso é insuficiente em uma Casa com 513 cadeiras. Para piorar, a maioria dos deputados do partido é estreante, e pouco sabe da dinâmica do Legislativo. Os parlamentares mais antigos se queixam de que a sigla não tem organograma, não tem regimento interno, e que seus deputados não conseguem entender o que estão votando sem assessoria técnica. “É ainda um partido invertebrado”, resume Abranches. A sabatina de Paulo Guedes na Câmara, na quarta-feira 3, deixou à mostra a precariedade da base de apoio do governo. Sem amparo, o ministro da Economia se viu jogado na fogueira pela oposição. Quando o deputado Zeca Dirceu, do PT, comparou o ministro a uma “tchutchuca” — gíria funkeira para uma mulher bonita e, digamos, demasiado afável —, Guedes explodiu: “Tchutchuca é a mãe”.

    Para um governo que se propõe a implementar reformas estruturais, é preciso muito mais capacidade de articulação. “Não se trata de fazer nova política, mas boa política”, afirma Fernando Schüler, cientista político do Insper. Ou seja, é preciso discutir projetos que permitam que o país avance. “Bolsonaro tem de aprender que negociação não significa corrupção”, diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-­ministro de FHC. Mais economia, menos ideologia, é o que ele recomenda: “A retórica para manter a base atrapalha a relação com os outros eleitores. A única forma de estancar a perda de popularidade é com a retomada do crescimento”.

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    Bolsonaro precisa dar sinais de que pretende moderar o discurso. Mas, até agora, continua a se espelhar em seu ídolo, o presidente Donald Trump, que permanece há dois anos disparando mensagens pelo Twitter com o mesmo discurso hostil aos oponentes da época da campanha. As realidades brasileira e americana, no entanto, são diferentes . Trump herdou de seu antecessor, Barack Obama, uma economia em rota de crescimento e um governo muito bem estruturado. E o próprio Bolsonaro está muito longe do estilo de seu modelo: “Ele não é tão objetivo e contundente quanto Trump, sua inspiração, quando quer aprovar um projeto de seu governo”, diz José Álvaro Moisés, cientista político da Universidade de São Paulo.

    A receita para que o governo recupere prestígio e popularidade não é especialmente complexa: contenção da retórica de palanque, empenho nas pautas fundamentais, disposição para ouvir e negociar, inclusive com opositores. Pelo que se viu até agora, parte desse receituário parece ir contra a própria natureza do presidente. A expectativa dos 200 milhões de brasileiros que votaram e que não votaram nele é que o governo corrija os erros. A ninguém interessa um governo popular e fraco, sem condições de implementar as medidas de que o país precisa para voltar ao trilho do crescimento. Essa possibilidade colocaria a todos — os que votaram e os que não votaram em Bolsonaro — em uma dolorosa travessia de quatro longos anos sem prosperidade.

    Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629

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