O lucro pede passagem: Liesa avança firme na profissionalização do Carnaval carioca
A intenção da Liga das Escolas de Samba neste ano é superar de vez a eterna batalha por dinheiro, que favorece quem tem patrono mais rico

Ao pisar na Marquês de Sapucaí na noite de domingo 2, a Unidos de Padre Miguel, primeira escola a desfilar na passarela do samba, estará dando início não só à exibição de seu enredo, sobre um dos primeiros terreiros de candomblé do Brasil, como também à abertura do que pretende ser o mais ousado capítulo da história do Carnaval carioca: a profissionalização da folia momesca. A intenção da Liga das Escolas de Samba (Liesa) neste ano é superar de vez a eterna batalha por dinheiro, que favorece quem tem patrono mais rico — prática em vigor desde que a pioneira Deixa Falar mudou a cara dos blocos e cordões que rodavam em torno da lendária Praça Onze, nos idos de 1920 —, tomando medidas para equilibrar o caixa das agremiações e fazer suas finanças evoluírem dentro dos padrões de um negócio bem administrado. “Estamos mirando o futuro e usando o Sambódromo para gerar dinheiro”, diz Gabriel David, 27 anos, presidente da Liesa.
O plano é garantir que as escolas de samba, carro-chefe do chamado “maior espetáculo da Terra”, obtenham uma verba compatível com sua posição no mais lucrativo evento do Rio e de todo o Brasil. Neste ano, o Carnaval carioca deve pôr 8 milhões de foliões para pular, 300 000 deles estrangeiros, e injetar 5,5 bilhões de reais na cidade, um crescimento de 10% em relação a 2024. Com mudanças inspiradas no sucesso dos dois motores do marketing esportivo — a liga americana de basquete, a NBA, e a britânica Premier League, de futebol —, com melhor gestão de recursos, aumento da arrecadação e remanejamento financeiro, os organizadores apostam em multiplicar resultados daqui para a frente. O ano de 2025 é o marco zero.

A mais visível modificação é o acréscimo de uma noite de desfiles, que agora vão de domingo a terça-feira. Na nova divisão, a passarela do samba receberá quatro escolas por noite, cada qual com tempo de desfile estendido de 70 para 80 minutos. Após o encerramento, mais cedo do que de costume, a Praça da Apoteose amanhecerá ao som do pagode, com shows de grupos tradicionais do Rio. Graças ao calendário estendido, as vendas de ingresso subiram 17%, com reflexo imediato nos cofres das escolas: a verba que lhes foi transferida ultrapassou neste ano 12 milhões de reais, versus os menos de 10 milhões de 2024. Outra comemorada novidade foi a antecipação das parcelas repassadas. “Adiantamos 600 000 reais já no primeiro mês pós-Carnaval. Normalmente, esse dinheiro só chegava mais tarde”, diz David. “Isso facilita a compra de materiais a preços mais baixos e garante um planejamento financeiro mais eficiente”, atesta Almir Reis, presidente da Beija-Flor.
O dinheiro repassado pela Liga — uma bolada que abrange venda de ingressos, cotas de patrocínio, direitos de transmissão e aportes dos governos estadual e municipal — não cobre as despesas das escolas, fazendo com que estejam sempre atrás de recursos. Para fechar a conta e profissionalizar o negócio, a Liesa agora dá suporte a ações de marketing nos desfiles, eventos extras na Sapucaí o ano todo e estuda até pôr em prática um teto de gastos para equilibrar a disputa, que valeria a partir de 2026.

Na planilha de receitas, o quesito mais crucial é a venda de camarotes, que concentra 80% do faturamento com ingressos. Uma noite a mais de desfiles fará enorme diferença nesses espaços no setor nobre da avenida, que contam com serviços exclusivos, como shows de artistas consagrados, open bar e comidinhas, mordomias que não saem por menos de 2 000 reais por pessoa. Neste ano, a cobertura de VEJA contará com um camarote exclusivo dentro do espaço Rio Carnaval, no concorrido setor 4, onde os passistas pisam mais forte por estarem próximos dos jurados. Por lá devem passar 150 convidados por noite, entre políticos, empresários e celebridades.
No Rio, a empolgação e a expectativa de faturar alto com os quatro dias de festa (incluindo aí o desfile das campeãs, no sábado seguinte) extrapolam o Sambódromo — os tradicionais blocos de rua, cada vez mais concorridos, também esperam sair ganhando com as mudanças. “O último dia da Sapucaí era visto como o fim do Carnaval”, celebra Flavio Goulart, empresário do Monobloco. “Com a noite extra, a comemoração se estende ainda mais.” Cada vez mais, o lucro pede passagem na festa.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933