Ninguém pode acusar Jair Bolsonaro de falta de coerência. Contrariando as expectativas de que suavizaria o estilo quando vestisse a faixa presidencial, ele encerra o primeiro ano de governo sendo o que sempre foi: um lobo solitário com inclinações radicais de direita e um talento inesgotável para enxergar conspirações de todos os lados. O desrespeito à liturgia do cargo e o desprezo aos protocolos também surpreenderam mesmo quem tinha baixas expectativas a seu respeito nessas questões. A postagem do vídeo com o golden shower no Carnaval e outras polêmicas inúteis nas redes sociais ocuparam bom tempo de quem se vendeu ao eleitorado como um político com pressa de tirar o país do atoleiro. Nas poucas vezes em que focou um tema importante e mostrou algum empenho pela união, conseguiu aprovar, com a ajuda decisiva do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a reforma da Previdência mais ampla da história recente — feito que contribuiu para o ainda tímido início da retomada econômica. Outra marca de Bolsonaro no começo de sua gestão foi o ineditismo. Em várias ocasiões, ele poderia pegar emprestada a célebre frase do ex-presidente Lula: “Nunca antes na história deste país”. Exemplo: jamais um presidente da República ficou sem partido durante o mandato, porque ele mesmo implodiu o PSL, a sigla pela qual se elegeu. No fim do ano, lançou um partido, o Aliança pelo Brasil, que corre contra o tempo para disputar as eleições de 2020. Na área internacional, foi a primeira vez que um chefe de Estado fez denúncias na ONU sobre a ameaça comunista três décadas após a queda do Muro de Berlim, acusou o ator Leonardo Di Caprio de cúmplice no desmatamento da Amazônia, quis nomear o próprio filho para uma embaixada em Washington e mudar a representação diplomática brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Segundo pesquisa VEJA/FSB realizada em dezembro, 31% consideram seu governo ótimo e bom e 35%, ruim e péssimo. Os números retratam quanto a população brasileira ficou dividida diante de um presidente que age fora do padrão tradicional — e se orgulha de ser assim.
Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667