Por décadas a vitrine do Brasil para o mundo, Copacabana, a “princesinha do mar”, viveu envolta em glamour, sobretudo entre os anos de 1930 e 1960. Foi nessa época que o antigo areal onde ficava um pontilhado de casas de veraneio passou a atrair a fina flor do high society e celebridades de Hollywood começaram a afluir para os hotéis e boates daquele ponto da orla, onde brotaram construções emblemáticas. Com o passar dos anos, o bairro e sua orla, até hoje um dos cartões-postais mais conhecidos do país, mergulharam em uma espiral de degradação, violência e abandono. Pois é justamente no coração do tradicional endereço da Zona Sul carioca que agora serão abertas as portas de uma casa de espetáculos com a ambição de se tornar parada obrigatória na rota turística da cidade, às voltas com uma ascendente leva de forasteiros de toda a parte. Um dos trunfos da empreitada, que consumiu dois anos e 65 milhões de reais em investimentos, é alojar-se em um prédio icônico que andava acumulando pó — o antigo Cine Roxy, que já foi o maior do Brasil, uma bela construção em estilo art déco datada de 1938.
Inspirado nos grandes shows internacionais desenhados para exibir nacos de culturas locais para quem vem de fora, o Roxy Dinner Show (assim batizado por ser um jantar musical, assinado a cada estação por um chef diferente) tem pitadas do Extravaganza, de Las Vegas, do Señor Tango, de Buenos Aires, e do Moulin Rouge, o cabaré parisiense cujos cartazes nos tempos áureos eram de autoria de Toulouse-Lautrec (1864-1901). A promessa é escapar ao máximo dos estereótipos e promover uma viagem pela diversidade brasileira. “Será um pocket show do que foi a abertura da Olimpíada no Rio, mas com mais tecnologia e grandiosidade”, explica o empresário Alexandre Accioly, à frente do empreendimento e também sócio no projeto de revitalização do Jardim de Alah, outro marco carioca.
Os números da casa, com inauguração prevista para sexta-feira 18, são superlativos — com 4 400 metros quadrados e 700 lugares sentados, só a cortina que emoldura o palco, acionada por quase cinquenta roldanas, custou 2,5 milhões de reais. No rol de gastos, digamos, mais miúdos, o elegante traje do porteiro plantado à porta para recepcionar o público saiu por 78 000 reais. A preocupação foi instalar um sistema de som “à altura do padrão João Gilberto”, como define o próprio Accioly, referindo-se ao ultraexigente gênio da bossa nova. O interior do edifício, tombado pelo patrimônio municipal, foi revestido com a técnica box in box, na qual materiais isolantes separam a estrutura original da mais nova. As paredes do generoso salão ainda ganharam ripas de madeira, tudo para garantir acústica irrepreensível. “Trabalho há décadas no setor de entretenimento e digo sem medo não haver nada igual no país”, avalia Cicão Chies, da DC set, parceiro no negócio.
A ambiciosa meta é ajudar a fazer girar a manivela do turismo, que vem se expandindo no Rio: 1,3 milhão de estrangeiros desembarcaram na cidade em 2023, um avanço de 10% em relação a 2019, o ano pré-pandêmico. Entre as décadas de 1970 e 1990, o Rio foi palco de iniciativas semelhantes, voltadas para dar aos que vêm do exterior um sabor local — Plataforma, Scala e o Oba Oba figuravam entre elas. Mas uma diferença substancial afasta os shows do passado da versão atual. Numa época em que o filtro do politicamente correto passava longe da indústria do entretenimento nacional, o que mais se punha em cena eram artistas seminuas, sublinhando uma caricatura da mulher brasileira, em tom preconceituoso. Agora, é exatamente disso que o novo espetáculo quer fugir. “Ao retratar o Brasil, o roteiro leva em conta as discussões de hoje, com um olhar contemporâneo. O elenco contempla variadas origens, cores e gêneros”, esclarece o diretor artístico, Abel Gomes, responsável pela abertura e o encerramento dos Jogos de 2016 e as últimas festas de réveillon na cidade. “Se (Oswaldo) Sargentelli montasse um show de mulatas como havia no Oba Oba, do qual fui sócio por dois anos, seria preso. O mundo agora é outro, tudo mudou”, pondera Accioly.
Com uma equipe fixa de mais de uma centena de profissionais, entre bailarinos, cantores, maquiadores e camareiras, o espetáculo, batizado de Aquele Abraço, abarca distintos ritmos e expressões culturais, do samba ao frevo, do funk à bossa nova. Enquanto o som toca firme na caixa, imagens de cantos diversos do país serão projetadas em um imenso telão de LED, que esconde o backstage, concentrado em um prédio de cinco andares erguido do zero. A brincadeira que corre nos bastidores é que, daqui em diante, o histórico Moulin Rouge terá que fechar as portas e se renovar em Paris. Exageros ufanistas à parte, fica a torcida para que os turistas que formam fila para conhecer o velho cabaré da Cidade-Luz batam ponto também nessas praias ao sul do Equador.
Publicado em VEJA de 11 de outubro de 2024, edição nº 2914