Operação asfixia: a Polícia Federal aperta o cerco ao PCC
Para conter estratégia de expansão da facção, a PF lidera forças-tarefas nos estados e promove batidas em série
O Primeiro Comando da Capital nasceu nos presídios paulistas, mas já tem ao menos 30 000 integrantes em todos os estados da federação. Combater esse avanço vem se tornando um desafio cada vez maior. Na última quarta, 30, ocorreu uma das maiores ações já lançadas contra o grupo. A Operação Rei do Crime, que cumpriu mandados em São Paulo, Paraná, Bahia e Santa Catarina, buscou desarticular um braço da facção que teria movimentado 30 bilhões de reais em quatro anos. Foram presas treze pessoas, interditadas 78 empresas, bloqueados 730 milhões de reais e apreendidos bens como lanchas, helicópteros e relógios de luxo. Essa operação seguiu a lógica de que o combate a uma facção organizada precisa ser feito de uma forma mais articulada pelas forças de segurança — espalhadas pelo país e em ações integradas.
A estratégia deu origem nos últimos anos à criação de forças-tarefas lideradas pela PF, bancadas pela União e integradas por policiais civis, militares e agentes penitenciários. Já existem iniciativas do tipo no Acre, Ceará, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Roraima e Minas Gerais. A atuação coordenada é considerada crucial para barrar a espiral de crimes e brecar o acelerado ritmo de cooptação de integrantes. “O monopólio do tráfico internacional de drogas vem ocorrendo em virtude de um bem executado plano de expansão comercial das atividades do PCC”, diz um trecho do relatório da Polícia Federal que embasou a Operação Rei do Crime.
A multiplicação de tentáculos do PCC incluiu até uma nova iniciativa contra a maior organização criminosa rival, o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro. No fim de agosto, a PF indiciou 27 integrantes do PCC que, a partir de favelas de Bangu, buscavam expandir a aliança do PCC com uma facção carioca. Também há indícios de avanços da organização em cidades do interior e do litoral fluminense. A briga com os bandidos do Rio tem como pano de fundo a consolidação do monopólio no tráfico de drogas, já que o Comando Vermelho ainda controlaria algumas rotas, como as do Norte do país, região na qual o PCC busca a hegemonia.
O expansionismo do PCC é tão organizado que tem até uma unidade interna para isso, chamada Setor Territorial. Em Roraima, policiais federais descobriram que integrantes de quadrilhas da Venezuela cruzaram a fronteira e foram arregimentados pelo PCC. A Promotoria denunciou dezenove venezuelanos que se alistaram na facção. O “batismo” dos vizinhos sul-americanos foi feito pelo chefe do PCC no estado, Ozélio de Oliveira, o Sumô. A prática agressiva de arregimentação de “soldados” é uma marca da facção, implementada por seu líder Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Mesmo detido desde 2019 em um presídio de segurança máxima em Rondônia, Marcola ainda continua controlando a quadrilha.
Até aqui, a estratégia de seguir o caminho do dinheiro, em vez de focar somente nas apreensões de drogas, tem sido muito bem-sucedida. De acordo com a PF, a recente Operação Rei do Crime cortou um de seus principais elos nessa cadeia de comando ao prender José Carlos Gonçalves, o Alemão, tido como operador financeiro de Marcola. O importante papel do Alemão na quadrilha só foi conhecido por causa de um acordo de delação que a PF fechou com um piloto envolvido na emboscada que matou dois líderes do PCC em 2018 no Ceará. Esse piloto delatou que Alemão era o verdadeiro dono do helicóptero usado na execução.
Seguindo a movimentação de dinheiro por trás da aeronave, os policiais descortinaram indícios de lavagem na movimentação de 1,8 bilhão de reais de uma rede de negócios. Entre as operações investigadas estão depósitos em espécie e transações em postos de combustíveis de diferentes donos, incluindo mais de quarenta da rede Boxter. Segundo o delator, o dinheiro operado por Alemão e comparsas já havia viabilizado o assalto ao Banco Central em Fortaleza, em 2005. Outra estratégia de aniquilamento da rede de auxiliares dos chefes presos foi dada pela Operação Caixa Forte 2, no fim de agosto, em Belo Horizonte, que obteve 422 mandados de prisão contra familiares e apoiadores da facção.
A ação coordenada e as operações em série tentam deter um movimento crescente de concentração de poder do PCC, conforme aponta trecho de relatório da PF assinado por Rodrigo de Campos Costa, supervisor do Grupo de Investigações Sensíveis contra facções em São Paulo. Segundo ele, o grupo possui “elevado nível de capilaridade no Brasil e na América Latina, bem como vem aumentando seu espaço de atuação em alguns países da Europa” e “em países produtores de cocaína, como Peru e Colômbia”. Para não assustar a população e disfarçar sua inoperância, há alguns anos autoridades de segurança negavam em público até a existência do PCC. A implementação das forças-tarefas de combate à quadrilha é o reconhecimento de que a dimensão atingida pelo problema exige uma resposta mais contundente — uma ótima notícia.
Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707