Tudo começou em julho de 1987, quando uma exposição de decoração abriu suas portas em uma mansão no Jardim Europa, bairro nobre de São Paulo. Na época, a intenção da empresária paulistana Yolanda Figueiredo (1925-2017) e de sua parceira de negócios, a argentina Angélica Rueda, era fazer “um evento de cunho social, cultural e benemérito” aos moldes de mostras de design já consagradas fora do país. Arquitetos renomados como João Mansur e Jorge Elias marcaram presença, chamando público, mas as idealizadoras não podiam imaginar o sucesso retumbante da primeira edição da CASACOR: foram 6 000 pessoas percorrendo os 22 ambientes do lugar. A procura foi tão grande que, no ano seguinte, a exposição migrou para um endereço maior e angariou novos profissionais de peso. Resultado: 16 000 visitantes. A iniciativa vicejou, passando a integrar o portfólio da Editora Abril, que publica VEJA, e a ser sediada no Jockey Club paulistano, em 2012, atraindo outros nomes incontornáveis na arquitetura e decoração nacional — Sig Bergamin, João Armentano e Ana Maria Vieira Santos, para citar alguns.
Em ritmo rápido e exponencial, a CASACOR rompeu fronteiras e se expandiu com franquias pelo Brasil e América Latina, acompanhando também as tendências e os humores da sociedade, sem deixar de lado um de seus pressupostos originais, o de legar parte da renda arrecadada a ONGs e instituições sociais. Com essa bagagem, a mostra chega a 2024 valorizando sua história, mas antenada com os anseios atuais e futuros. Daí o tema De Presente, o Agora, uma ode à criatividade e à elegância pautadas na sustentabilidade, que espera reunir 125 000 pessoas entre 21 de maio e 28 de julho no icônico Conjunto Nacional, na Avenida Paulista.
Pioneira em mostrar que cuidar do lar é cuidar do mundo, a CASACOR desbrava há anos a noção de que o design e a construção precisam andar de mãos dadas com a saúde do meio ambiente. Para fazer jus ao princípio, o evento implementou um programa de gestão de resíduos, que no ano passado alcançou a marca de 99,7% e, em 2024, pretende chegar a 100%. Em 2023, transformou a causa da sustentabilidade em bandeira de todas as mostras que se espalham pelo país, privilegiando a reutilização de recursos hídricos, a economia de energia, a reciclagem e os materiais artesanais na cadeia que vai da construção civil à decoração de interiores. Tudo isso estará evidente no espaço de 9 000 metros quadrados dedicado à exposição deste ano, com direito à compensação integral para as emissões de carbono e à certificação internacional Lixo Zero. “Provocamos os arquitetos a buscar inspirações a favor da sustentabilidade”, diz Lívia Pedreira, diretora da marca.
Agora, mais do que nunca, a exibição representa não somente o principal evento de arquitetura, design e paisagismo das Américas mas também um polo de debate e de criação sustentável, tanto do ponto de vista ambiental como cultural. É a fórmula para pavimentar um futuro mais sereno, sem tantos danos a um planeta já tão machucado. “Basta ver as catástrofes climáticas atuais para perceber como precisamos fazer outras escolhas”, afirma o jornalista Pedro Ariel, curador da exposição. Em meio aos setenta ambientes decorados, entre estúdios, casas e jardins, o destaque vai para os que abordam o zelo com a natureza como forma de reflexão sobre o efeito das decisões cotidianas nas próximas gerações.
É o caso do elegante Loft do Jovem Executivo, obra do arquiteto José Roberto Moreira do Valle que utiliza painéis de madeira sintética para revestir o espaço e cacos orgânicos feitos das sobras de porcelanato — exemplos de materiais que, claro, poderão ter novas finalidades posteriormente. “O reaproveitamento é uma tendência mundial”, afirma Do Valle. O bar-galeria da arquiteta Fernanda Marques é outro trabalho que prima pelo apreço ao meio ambiente do chão ao teto: ostenta piso de cabreúva branca com certificado de origem e manejo florestal responsável, requisito imperativo daqui em diante. Já o estúdio criado pela designer de interiores Ana Weege aposta em um biombo de palha de taboa e paredes revestidas de fibra de coco concebidas por artesãos. É exemplo de outra tendência abraçada pela mostra: o culto à ancestralidade, às origens, e nossa ligação com a Terra.
Não à toa, essa herança ressoa nas instalações artísticas com influência negra e indígena, e no espaço criado pelo Studio Ro+Ca, imaginado para o longínquo ano de 2064. Como sugere a CASACOR desta temporada, se quisermos deixar um presente para o futuro, precisamos ser sustentáveis desde já, e não só no discurso — isso, sim, é que é luxo. O luxo sustentável.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893