Pela terceira vez no cargo, com uma administração bem avaliada por 54% da população, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), tinha tudo para caminhar tranquilo para a reeleição do jeito que queria: exaltando os feitos da sua gestão em uma chapa “puro-sangue” com o deputado federal e aliado de sempre Pedro Paulo, que o sucederia quando deixasse o cargo para disputar o governo estadual. Aí entrou no meio a inexorável polarização política nacional, que faz da capital fluminense um território estratégico para os dois lados na briga pelo Palácio do Planalto em 2026. O presidente Lula tem interesse em manter o aliado Paes no cargo e recuperar o espaço perdido no Rio, que já lhe deu muitas vitórias, mas preferiu Jair Bolsonaro nos dois últimos pleitos. O bolsonarismo, por sua vez, conta com a máquina estadual do governador Cláudio Castro, seu parceiro — sobre quem paira uma sombra incômoda: ele é acusado de haver recebido, no passado, propina de empresários da saúde na casa dos 400 000 reais —, para conquistar a vitória em seu ninho e mostrar que segue vivo e influente. Nessa conjuntura de objetivos mais altos, a reeleição de Paes ganha novos e complicados contornos.
Pesquisa recente de intenção de voto da AtlasIntel mostra Paes na frente, com 36,2% da preferência do eleitorado. Alexandre Ramagem (PL), ex-presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e candidato de Bolsonaro, aparece em segundo lugar, com 19,1% — bem menos, mas ainda assim bastante para um novato que nunca teve o nome testado nas urnas. Fincado no centro do espectro político, o prefeito corre o risco de ficar no meio da sangrenta troca de tiros entre direita e esquerda. “Paes terá de encontrar uma maneira de ser um antibolsonarista moderado”, diz o cientista político Felipe Nunes, CEO da Quaest Pesquisa e Consultoria. “O ideal para ele é evitar ao máximo a polarização no campo ideológico.”
Ciente de sua posição, o prefeito evita falar de eleição e cala-se mais ainda se o assunto é seu vice, um ponto que já começa a semear discórdia com os aliados petistas: ele faz questão de um nome amplamente palatável, seja de que partido for, enquanto uma ala da legenda de Lula (mas não Lula, diga-se) quer partir para a luta aberta e emplacar um quadro mais à esquerda na chapa. As articulações correm soltas. Uma das possibilidades ventiladas ultimamente é Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã de Marielle, a vereadora do PSOL assassinada em 2018. A ministra, que pretende se filiar ao PT em breve, tem a simpatia da primeira-dama, Janja, que lançou seu nome sem consultar ninguém e tem defendido a ideia em conversas com ministros e com a bancada fluminense. Já em clima de campanha, Anielle visitou o Rio e municípios da Baixada Fluminense assolados pelas intensas chuvas dos últimos dias e, no palanque virtual das redes, classificou a tragédia como “racismo ambiental” — definição que causa arrepios à turma de Paes, preocupada em não alijar eleitores mais conservadores. Bolsonaro alfinetou: “Por onde anda Lula, braço do Eduardo Paes, para ajudar o Rio de Janeiro nessas enchentes?”.
O sonho de emplacar o vice de Paes tem sido motivo de bate-boca no PT — como sempre. O diretório estadual pressiona a favor de algum dos três secretários que já participam do governo municipal. Um grupo próximo do Planalto vai em outra direção e reconhece que tem muito pouco a oferecer em troca do cobiçado cargo. “Não dá para o Eduardo sair para governador em 2026 e nós exigirmos que ele abra mão da prefeitura”, admite o pragmático Washington Quaquá, vice-presidente do partido e um dos caciques fluminenses. Uma das saídas que se desenham é a filiação ao PT de uma pessoa de confiança do prefeito, que seria seu companheiro de chapa. O mais citado é Felipe Santa Cruz (hoje no PSD), ex-presidente da OAB e também amigo de Lula. “O nome agrada”, afirma um petista com acesso privilegiado ao presidente da República.
Nos últimos dias, circulou com certo entusiasmo entre os apoiadores de Paes a indicação para vice de Ricardo Cappelli (PSB), secretário executivo do Ministério da Justiça que vai ficar sem cargo depois que Ricardo Lewandowski assumir a pasta e já foi convidado pelo prefeito para a Secretaria de Ordem Pública. Em férias nos Lençóis Maranhenses, Cappelli desconversa. Mas, por sua postura de apoio a operações contra o crime organizado, ele tem potencial para reforçar um ponto fraco da esquerda: a área da segurança, onde o bolsonarismo ganha adeptos defendendo uma política dura contra a bandidagem. “O eleitor do Rio é o mais suscetível do país em relação ao tema”, diz Nunes.
Embora a responsabilidade da segurança pública seja do governo estadual, a população cobra o prefeito, e Paes se esforça para mostrar serviço. Ele deixou a rivalidade eleitoral de lado e se uniu a Castro para ingressar com um recurso contra a decisão da Justiça que impedia a apreensão de menores — salvo em flagrante — durante as ações da polícia nas praias do Rio, onde arrastões se tornaram frequentes. Também denunciou no X que uma das principais milícias do estado tentou cobrar 500 000 reais de uma empreiteira para liberar as obras de um parque na Zona Norte e que moradores do Jardim Botânico estão sendo achacados por grupos que vendem segurança privada.
A despeito da intensa movimentação nos bastidores, até agora não há definição à vista da chapa do prefeito para a eleição deste ano. Paes e Lula, os dois principais interessados em um alinhamento, mantêm contato constante, mas evitam tratar do assunto. O presidente, como é seu costume, emite sinais de que quer ter mais clareza da situação antes de propor qualquer acerto, enquanto Paes, por mais que não queira, vai sendo arrastado para o cenário da polarização. Certo, por ora, é que, entre as três principais capitais do Sudeste — Rio, São Paulo e Belo Horizonte, o chamado Triângulo das Bermudas das ambições eleitorais —, a fluminense é a que apresenta maior chance de vitória para o governo federal. Todo o cuidado será pouco para não atrapalhar a maré a favor.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2024, edição nº 2876