Por que a Praia do Preá, no Ceará, virou uma das estrelas do verão
Ao lado de Jericoacoara, de clima adequado à prática do kitesurf, ela se destaca nas férias — mas os problemas ambientais já aparecem
Quem conhece os humores do mar sabe como é vital respeitá-lo. O experiente iatista Lars Grael, de vitoriosa linhagem marinha, tem uma frase repetida com empolgação: “O pessimista reclama do vento, o otimista espera ele mudar e o realista ajusta as velas”. Poderia servir de lema para a Praia do Preá, pequena vila cearense de pescadores, de paisagem paradisíaca e sopro permanente, vizinha da badalada Jericoacoara. Dadas as condições naturais propícias, de rajadas em profusão, o lugar virou ímã internacional de uma modalidade esportiva, o kitesurf. Nele, o praticante, em cima de uma prancha, vai e vem a partir da movimentação de uma pipa cujos fios estão presos na cintura. Ali, a lufada sopra de julho a janeiro, com uma velocidade que varia de 20 a 40 nós — considerada uma brisa forte, segundo os padrões de navegação.
Há uma diferença fundamental em relação à agitada Jeri, de vida noturna interminável e muitas lojinhas. O tom de Preá é de tranquilidade, com hotéis de luxo (no Rancho do Peixe, o pacote de quatro dias para o Réveillon passava dos 15 000 reais para um casal) e restaurantes finos. Resultado: o endereço tem tudo para ser uma das estrelas do verão brasileiro de 2024. Não por acaso, virou refúgio de famosos. A atriz Juliana Paes e o apresentador Luciano Huck, entre outros, costumam frequentar a praia com a família. “O primeiro salto de crescimento aconteceu em 2017, com a inauguração do aeroporto”, diz Marcelo Brandão, secretário de Turismo, Indústria e Comércio de Cruz, município com 29 000 pessoas do qual Preá é franja. Com voos diários, inclusive partindo de São Paulo, o acesso é razoavelmente fácil. Do desembarque, são 30 minutos de carro, metade do tempo que os turistas demoram para chegar a Jericoacoara. Com uma vantagem: o caminho é todo asfaltado. A facilidade de acesso alimentou uma série de eventos. Em agosto de 2023, o local recebeu o Rally dos Sertões, que atraiu 40 000 visitantes. Uma semana depois, houve o Rally do Kite. Em dezembro, na semana entre o Natal e o Ano Novo, deu-se um badalado festival de música e artes. Nada que alterasse o cotidiano calmo, extremamente calmo.
É preciso, contudo, gostar de kitesurf de modo a tirar o máximo da estada, embora não seja obrigatório.“Na Praia do Preá venta tanto que não dá para ficar só tomando sol na praia”, diz a dentista paulistana Carla Nardi, frequentadora do day spa do Rancho do Kite. O marido dela, o empresário Kiko Compagno, de 56 anos, descobriu o Preá por causa do esporte, há oito anos. Ficou tão apaixonado pelo local que construiu uma casa para morar durante os seis meses de vento constante. “A internet melhorou muito na região. Dá para trabalhar e cair na água todos os dias”, diz. No resto do ano, quando chove muito, ele vai para Florianópolis. O empresário alemão Oliver Heine, de 57 anos, também tem dois endereços oficiais: Munique e o Preá. “Fico mais tempo no Brasil do que em minha casa na Alemanha”, afirma. Quando Heine chegou ao Ceará, ficou assustado com o tamanho das ondas. Mesmo assim, pegou rápido o jeito de saltá-las com a pipa. Hoje, considera a maré até pequena e a compara com a da Cidade do Cabo, na África do Sul, outro ponto ótimo para o kitesurf. “As ondas da África são mais desafiadoras, mas a água no Preá é quente, o que faz toda a diferença”, diz.
A temperatura da água e o cotidiano pacato atraem inclusive os veranistas mais paradões, que buscam apenas sombra e água fresca e sabem ter à disposição um canto intocado, ainda virgem de civilização. Quase 20% do município de Cruz está dentro do Parque Estadual de Jericoacoara, região forrada de lagoas azuis, dunas e formações rochosas espantosas, afeitas a lotar os smartphones de lembranças fotográficas. À margem do luxo, evidentemente caro, quase sempre atrelado ao kitesurf, há quiosques aconchegantes, de espírito pé na areia, charmosos, onde se come um prato de camarão para duas pessoas por pouco mais de 70 reais.
A popularidade tem, é claro, custo ambiental. Sob o pretexto de ser uma obra de interesse público, a prefeitura de Acaraú, colada a Preá, autorizou que um trator abrisse um caminho entre as dunas, “para facilitar o acesso a eventos e o trânsito dos pescadores”. O município de Cruz também sofre com ilegalidades. Em 2022, em um condomínio, um morador resolveu fazer, por conta própria, uma ponte para não ter de atravessar a duna. “Ele foi multado e a duna se regenerou”, diz Vanessa Chastinet, de 40 anos, que há vinte mora no Preá. Ela e o marido, o instrutor Mosquito, são sócios de uma escola de esporte, instalada no Rancho do Kite.
Entre a paz e o suor, brota encantamento. Durante as férias do ano passado, Huck se apaixonou por um estabelecimento, o Quintal do Denis — que ganhou esse nome por funcionar nos fundos da casa do dono. O apresentador levou a produção do programa Domingão para reformá-lo, enquanto o proprietário fazia curso de gastronomia em São Paulo. Tudo armado pelos produtores para que na volta ele fosse surpreendido com o novo ambiente. Contudo, apesar das mudanças, o Preá ainda é uma vilarejo parado no tempo. Para curti-lo, basta ajustar as velas e seguir com o vento.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874