Em meio ao mais intenso fluxo migratório já registrado de brasileiros para Portugal, que este ano fez a comunidade lá instalada bater o recorde de 250 000 integrantes, um especial atrativo faz brilhar os olhos de quem, além da ambição de fincar o pé em terras lusitanas, conta com uma boa reserva de capital: o Golden Visa, que, mediante investimentos entre 280 000 e 500 000 euros, oferece ao detentor o direito de residência permanente e, na sequência, a obtenção de cidadania. Apesar do alto custo, muita gente já se beneficiou da oportunidade — mas agora a demanda explodiu. Motivo: a expectativa de que o visto dourado seja extinto, acentuada pela recente declaração do primeiro-ministro português, António Costa, de que o programa “já cumpriu a função e no momento não se justifica mais”.
O visto é concedido a quem faz “investimento qualitativo” em Portugal, aí incluídos a criação de postos de trabalho e o financiamento de pesquisas, entre outros. Mas o grosso das transferências, até pela facilidade da transação, vai para a compra de imóveis. Em quatro grandes imobiliárias ouvidas por VEJA, os negócios fechados com brasileiros representam até 30% do total atualmente, mais do que o dobro do habitual. “Os vistos gold existem há dez anos, mas agora voltaram a agitar o mercado como há muito não se via. Os interessados estão agilizando os processos para não ficar de fora”, ressalta o advogado e consultor internacional Miguel Kramer, que vive no norte de Portugal.
As regras para a obtenção do Golden Visa já foram apertadas antes. Desde janeiro, os imóveis residenciais em Lisboa, Porto e Algarve, e também em alguns balneários, justamente os locais mais concorridos, foram retirados do benefício. Nessas cidades, só vale agora sacar 500 000 euros à vista e comprar imóveis comerciais ou turísticos, como hotéis e resorts. No interior e nas ilhas dos Açores e Madeira continua possível obter o visto com base na aquisição de casas e apartamentos de 280 000 a 350 000 euros. A mesma regra vale para imóveis antigos que necessitam de grande reforma e obras de preservação do patrimônio histórico português.
Cumprida uma dessas exigências, o investidor, após cinco anos, pode solicitar a nacionalidade portuguesa. “Existe ainda uma cereja no bolo. Diferentemente de outros vistos, ele não exige que a pessoa resida em Portugal durante o processo”, explica Patrícia Lemos, CEO da empresa Vou Mudar Para Portugal. Ao longo dos trâmites, só é preciso passar sete dias por ano no país. Patrícia estima vender neste ano 40 milhões de euros em imóveis, o dobro de 2021, sendo 25% provenientes de transações visando à obtenção do visto dourado.
As razões mais citadas para o êxodo de brasileiros para Portugal são a busca de mais segurança e melhor qualidade de vida. Quem consegue a cidadania ganha o benefício extra do cobiçado passaporte vermelho da União Europeia, que garante trânsito livre em boa parte do mundo. Foi justamente a cidadania europeia que motivou o cirurgião plástico Euler Amaral e a mulher, Cleide Frohlich, ambos de 46 anos, a investir em um Golden Visa antes que acabe. Eles anteciparam os planos e estão raspando as economias e o dinheiro que tinham aplicado em uma carteira de previdência para comprar um imóvel no sul de Portugal. “Isso permitirá que meus filhos estudem e morem na Europa e no futuro, quem sabe, todos nos mudemos para lá”, diz Amaral, que vive no Pará. O programa lusitano também é tido por muitos brasileiros como uma forma de investimento seguro. “Juntamos o bônus de poder morar na Europa com a chance de ter um patrimônio em moeda forte e com riscos minimizados”, afirma o consultor da área de tecnologia Ricardo Mello, de 56 anos, que vive em São Paulo com a mulher e três filhos e investiu 530 000 euros em uma propriedade lusitana.
Criado em 2012, o Golden Visa teve como objetivo principal atrair investimentos em um momento em que Portugal saía de uma das piores crises de sua história e injetou mais de 6,5 bilhões de euros na economia. Neste ano, os brasileiros gastaram até setembro 42,9 milhões de euros em troca do visto, 7 milhões a mais do que em 2021 inteiro. O Brasil é o segundo maior beneficiário do programa, com 1 137 processos, ante 5 193 da China. “Em geral, são altos executivos, empresários, artistas e políticos que buscam essa alternativa”, observa Eliane Ribeiro, especialista em imóveis de alto padrão da Remax Collection Lisboa, onde, de cada dez aquisições, três são de olho no visto. “Além da qualidade de vida, o objetivo de muitos é ter um plano B”, acrescenta Fabiano Penedo, da Global Trust.
Os Golden Visas cumpriram seu papel, mas nos últimos tempos vêm sendo alvo de críticas por provocar especulação imobiliária e abrir mão de uma checagem rigorosa da origem do dinheiro aplicado, além da própria pressão da União Europeia para conter a entrada de imigrantes. Sua extinção não foi incluída no orçamento aprovado há uma semana pelo Parlamento, mas o futuro é incerto. Fica a dica: apressar-se é preciso.
Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818