Projeto de aeroporto e pavimentação ameaçam equilíbrio do Jalapão
O acesso difícil — que ajuda a manter o isolamento e a proteção — está com os dias contados
É um paraíso. O Parque Estadual do Jalapão, que corresponde a 15% do território do Tocantins, é um dos destinos mais desejados pelos brasileiros em razão do cenário exótico. Entre as chapadas, correm dunas douradas, recortadas por rios, cachoeiras e lagoas com água azul-turquesa cristalina. O ecossistema do Cerrado abriga animais silvestres, como os veados-campeiros, os lobos-guarás e as onças. O principal acesso ao parque é feito a partir de Palmas, capital do estado, por 200 quilômetros de estrada de terra. Leva-se em média três horas de viagem, sacolejando em um carro off-road. A notícia é que o acesso difícil — que ajuda a manter o isolamento e a proteção — está com os dias contados.
No ano passado, depois de a região ser elevada a rota nacional de turismo por um decreto federal, veio a saudável liberação de verbas de infraestrutura. A maior fatia, 9,5 milhões de reais, vai para a construção de um aeroporto em São Félix — município que, ao lado de Ponte Alta e Mateiros, é um dos pilares de apoio a quem viaja para o Jalapão. Há previsão de melhoria da sinalização (748 500 reais) e de construção do centro de informações turísticas (573 000 reais). O estado do Tocantins também investirá quase 505 milhões de reais em construção de pontes e pavimentação de 300 quilômetros de estradas — que ligam o Jalapão a Palmas e a Luís Eduardo Magalhães, na Bahia —, entre outras iniciativas.
As obras já começaram. Partindo de Palmas, mais de 100 quilômetros de estradas foram asfaltados. “Esse percurso levava o dobro do tempo, seis horas”, diz Ceir Pacheco Neto, 55 anos, que inaugurou há um mês a Vila dos Sonhos, em Ponte Alta, a segunda pousada da família, que está entre as setenta opções de hospedagem do Jalapão. Os moradores — quilombolas e comerciantes — celebram as mudanças, principalmente porque dependem da capital para se abastecerem. “Quando estava construindo, cheguei a pagar 5 000 reais apenas pelo frete da entrega do material”, diz Neto. No ano passado, 60 000 turistas passaram pelo parque. Para 2024, a previsão é de 10% de crescimento.
É natural, portanto, em equilíbrio delicado, que as benesses do progresso colidam com as exigências ambientais de lugar tão frágil. A pressão pelo aeroporto é imensa. É reduzida a oferta de voos diretos para Palmas a partir de São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Goiânia, sinônimo de viagens mais caras. “Quero um aeroporto com trânsito aéreo congestionado como o de Trancoso”, diz Hercy Filho, secretário de Turismo, empenhado em transformar a região em um polo lucrativo. Na alta do verão baiano, em Trancoso, os jatinhos que chegam ao aeroporto, localizado no distrito de Porto Seguro, sobrevoam a região por até uma hora e meia à espera de autorização para pouso. Não é impossível que a cena se repita no Jalapão.
A mudança preocupa. “O asfalto permitirá que qualquer tipo de veículo chegue à região, o que pode levar ao descontrole do volume de turistas e à degradação do Jalapão”, diz Cleib Filho, 41 anos, proprietário da 100 Limites Expedições. A empresa turística faz a recepção do viajante em Palmas, leva ao Jalapão e, lá, se encarrega de todos os passeios. Os grupos estão sempre acompanhados de guias treinados. Há especialistas que projetam um futuro sombrio, com carros estacionados nas lagoas, com som alto e cooler de cervejas. Outros dizem que o equilíbrio depende de uma boa regulamentação. O problema está na vocação do Brasil, conhecido por ser bom de proibir e ruim de cuidar.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893