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Quadrilhas do Rio encontram na exploração ilegal da internet um filão até mais lucrativo que o tráfico

Perdem as operadoras e os cidadãos de bem

Por Ludmilla de Lima Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Ricardo Ferraz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 mar 2025, 14h41 - Publicado em 14 mar 2025, 06h00

Enquanto o crime avança por vastos territórios do Rio de Janeiro, dominando nacos inteiros da cidade à base da intimidação e do medo, pessoas comuns são submetidas a regras ditadas pela bandidagem, que rege engrenagens básicas do dia a dia. Já são conhecidos os esquemas ilícitos que envolvem venda de botijão de gás, fornecimento de energia, água e esgoto e aluguéis de imóveis — atividades que, nos locais onde traficantes e milicianos dão as cartas, são dominadas por eles, não deixando ao morador a opção de obter tais serviços pela via legal. Mas a desfaçatez dos marginais não se esgota e, agora, eles somaram ao leque a comercialização da internet, um campo que, de acordo com investigações da Polícia Civil às quais VEJA teve acesso, desponta como um dos braços mais lucrativos do momento. Em estimativas talvez exageradas, chegaria ao ponto de rivalizar com os lucros do tráfico de drogas.

Na terça-feira 11, surgiu mais uma contundente prova de que o negócio floresce no submundo. Ao adentrar o território comandado pelo mais procurado bandido do Rio, Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, a polícia desmantelou um provedor de internet que funcionava com “a autorização e a proteção” do traficante. A empresa clandestina, segundo os investigadores, gerava milionários lucros para a facção autodenominada Terceiro Comando Puro (TCP), verba vultosa que financiava a expansão do bando que toca o terror no conjunto de favelas do Complexo de Israel, às margens da Avenida Brasil — local onde a intolerância religiosa se junta à brutalidade para manter a população no cabresto. Descobriu-se depois que a tal operadora usava equipamentos surrupiados das empresas que prestam legalmente o serviço, incluindo cabos de fibra ótica da Embratel.

TUDO REGISTRADO - Boletim de ocorrência: técnicos de operadoras são intimidados e não conseguem trabalhar
TUDO REGISTRADO - Boletim de ocorrência: técnicos de operadoras são intimidados e não conseguem trabalhar (./.)

Por todo o estado, o mecanismo implantado pelas quadrilhas — sendo o Comando Vermelho (CV) a mais poderosa delas no ramo — é o de conquistar espaço no mercado promovendo a vandalização de bens alheios. Primeiro, atacam os cabos das grandes operadoras e, quando os técnicos aparecem para fazer o reparo, os abordam com armas e todo tipo de ameaça, incluindo violência física. Aconteceu em 28 de dezembro de 2024 na região de Brás de Pina, na Zona Norte carioca, quando uma equipe de uma dessas empresas “foi expulsa por elementos armados”, segundo informa o boletim de ocorrência. Somados os B.O.s registrados por duas das maiores companhias nesse mercado, o número é assustador — foram 54 só no último ano. Sob escolta policial, elas até voltam às áreas em que essa anomalia se desenrola, mas aí dá-se um jogo de gato e rato — após o conserto, vem mais um ataque e nova demanda para que a operadora faça o sistema voltar à ativa.

Muita gente vai, assim, ficando sem rede, como relata à reportagem um morador de Brás de Pina, justamente uma das áreas em que Peixão atua. “É horrível. Estou há meses sem sinal”, diz G.S., em coro com os vizinhos. No caso de residentes de um condomínio do programa Minha Casa, Minha Vida, na região central, já são 25 dias sem acesso à internet — dor de cabeça que começou quando traficantes locais cortaram cabos de conexão e vetaram a entrada de profissionais da operadora Claro. “Por medida preventiva, as equipes técnicas estão impossibilitadas de entrar na sua região e prestar qualquer atendimento no local em razão de ameaças físicas”, justificou a empresa aos cidadãos de bem.

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LUCRO, LUCRO - Itanhangá, na Zona Oeste carioca: polícia estima que as redes ilegais giram 7 milhões de reais por mês
LUCRO, LUCRO - Itanhangá, na Zona Oeste carioca: polícia estima que as redes ilegais giram 7 milhões de reais por mês (Custodio Coimbra/Agência O Globo/.)

É nesse inaceitável contexto que, sem opção, quem vive nessas bandas da cidade acaba contratando o serviço de pequenas operadoras controladas pelo crime. A Polícia Civil afirma que, em geral, elas estão em nome de laranjas dos chefões ou nas mãos de indivíduos que pagam pedágio para aqueles que mandam no pedaço. “Vi uns homens armados cortando fios no poste e logo correu pela comunidade a informação de que a internet agora seria fornecida por uma empresa ligada aos bandidos”, relata um morador de uma comunidade em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, refém agora de um serviço pior e mais caro. Como os negócios tocados pelos marginais não dão conta de toda a demanda, a espera pelo serviço às vezes é longa. “Estou há um mês aguardando a instalação do modem na minha residência. A empresa dos traficantes não tem estrutura para atender a todos”, queixa-se um morador de Brás de Pina, que não viu outra saída senão contratá-la. Outro diz: “De 60 reais, passei a pagar 100, e a qualidade é péssima, cai a toda hora”.

As tentativas de frear os fora da lei têm sido cada vez mais frequentes. Nos dois primeiros meses do ano, foram dezessete operações da PM em apoio a concessionárias lesadas. Dois provedores do CV que funcionavam à base de equipamentos roubados da Oi foram recentemente desarticulados. Mas é trabalho árduo. “Muitas dessas operadoras são legalizadas, com documentos em dia e equipamentos registrados, o que traz maior complexidade à investigação”, explica Pedro Bittencourt Brasil, titular da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD). Estão hoje sob investigação pelo menos doze empreendimentos suspeitos que, segundo a Subsecretaria de Inteligência da PM, chegam a recrutar antigos funcionários das teles que detêm a expertise do serviço. “Atualmente, a exploração da internet é o top 1 das facções, o que intensifica a guerra por territórios”, diz Victor Santos, secretário estadual de Segurança do Rio.

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REAÇÃO - Baigorri, da Anatel: cerco às empresas de fachada
REAÇÃO - Baigorri, da Anatel: cerco às empresas de fachada (Aloisio Mauricio/Fotoarena/.)

As investigações já mostram quão profícuo é o mercado. No Itanhangá, nas imediações da Barra da Tijuca, a Polícia Civil estima que o CV, em guerra com a milícia local, esteja de olho num lucro de 7 milhões de reais por mês, enquanto na área do Catiri, próximo ao Complexo Penitenciário de Bangu, a mesma facção busca controlar um serviço que pode render 25 milhões de reais mensais. Cálculos do prejuízo feitos por uma das maiores operadoras do país, que falou a VEJA sob a condição de anonimato, revelam que 270 000 domicílios em 68 bairros da região metropolitana são dados como “perdidos”, já que não se pode fornecer o serviço por lá — um quinto da atual base de clientes. “Fizemos investimentos, pagamos impostos para importar equipamentos, construímos a rede e ela foi tomada por bandidos”, indigna-se um alto executivo da empresa. A situação foi levada ao Ministério da Justiça e à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mas ninguém no mercado acredita em solução no curto prazo. “À agência também compete o papel de fiscalização”, lembra Daniela Martins, diretora da Conexis Brasil Digital, o sindicato das companhias de telecomunicações.

A expansão das quadrilhas nesse filão se finca sobre o uso oportunista de uma regulamentação da própria Anatel, que permite a exploração do serviço por pequenos empreendedores com não mais do que 5 000 clientes — algo pensado para aumentar a concorrência e fomentar negócios em áreas de baixo interesse a empresas maiores, como zonas rurais mais longínquas. “Solicitei à área técnica um plano de ação contra essa concorrência desleal”, informa Carlos Baigorri, presidente da Anatel, que promete fechar o cerco às operadoras de fachada.

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OUTRAS PRAIAS - Porto do Pecém, no Ceará: vandalização da infraestrutura pelo CV deixou uma multidão sem sinal
OUTRAS PRAIAS - Porto do Pecém, no Ceará: vandalização da infraestrutura pelo CV deixou uma multidão sem sinal (Eduardo Knapp/Folhapress/.)

A atividade criminosa também se alastra por várias capitais. Na quarta-­feira 12, dezessete pessoas foram presas em Fortaleza, suspeitas de sabotar o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, a 60 quilômetros da capital cearense, em um ataque que derrubou o sinal de internet de 90% das residências e impediu as operações no porto. Um grupo de empresários do ramo estimou, em entrevista a VEJA, uma perda de espantosos 50% da clientela depois que o mesmo Comando Vermelho passou a sistematicamente atacar sua infraestrutura. Exemplos assim reforçam a necessidade de ações mais urgentes e efetivas para acabar com essa rede do crime.

Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935

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