Médico, produtor rural e membro de uma família influente em Goiás, Ronaldo Caiado iniciou sua carreira política mirando alto. Em 1989, aos 40 anos, pulou do trampolim da então poderosa União Democrática Ruralista (UDR) para a disputa da Presidência da República pelo PSD, na primeira eleição do país após a ditadura. Enfrentou nomes de peso como Lula, Leonel Brizola, Mario Covas e Ulysses Guimarães. Terminou em décimo lugar, com 0,68% dos votos, mas não desistiu da política. Um ano depois, chegou à Câmara dos Deputados, onde ficou por cinco mandatos, e foi eleito senador em 2014. Nesse período, manteve a defesa de pautas conservadoras e de interesse do agronegócio, consolidando-se como opositor da esquerda e do PT — figurou como um dos articuladores do impeachment de Dilma Rousseff. Foi eleito governador de Goiás no primeiro turno em 2018 e 2022, mas segue de olho no Palácio do Planalto. A três anos do fim do seu mandato, já anunciou que deseja tentar novamente a Presidência, saindo na frente de outros nomes da direita que estão de olho na possibilidade de liderar a oposição a Lula em 2026.
Falta, claro, combinar com muita gente, a começar pelo próprio partido dele, que vive em meio a rachas internos e divergências ideológicas. Em tese, a legenda tem força para bancar um robusto projeto de oposição no próximo pleito presidencial. O União Brasil tem hoje 59 deputados e sete senadores e deve receber uma fatia grande do fundo eleitoral, atrás apenas do PL e do PT. Ocorre que o União é um caso clássico de equilíbrio com um pé em cada canoa. Ao mesmo tempo que abriga antipetistas declarados, tem três ministros do governo Lula. Principal articulador dessas indicações, o senador Davi Alcolumbre certamente será um problema para as pretensões de Caiado, pois é aliado de Lula e conta com apoio do governo para ser reconduzido à presidência do Senado em 2025.
Ciente das dificuldades, Caiado já vem trabalhando internamente para tentar pavimentar os alicerces de uma possível candidatura. Nesse sentido, conquistou uma vitória no processo que vai culminar na troca de comando do União. Uma convenção nacional marcada para o dia 29 de fevereiro vai decidir quem assume a presidência do partido no lugar de Luciano Bivar, que teve seu reinado encurtado após desentendimentos com outros caciques. O governador de Goiás foi um dos articuladores da troca no comando, ao lado dos deputados Mendonça Filho e Elmar Nascimento, do senador Davi Alcolumbre e do ex-prefeito de Salvador e secretário-geral da legenda, ACM Neto. “A partir da convenção nacional, nós teremos uma outra realidade dentro do partido. As posições partidárias não irão partir mais apenas de uma ou de outra pessoa”, acredita Caiado.
Além de combinar a candidatura com o próprio partido, Caiado, obviamente, precisa combinar essa pretensão com o eleitorado. Dentro do seu estado, isso não é problema: a aprovação dele é de 81%, segundo o Paraná Pesquisas, o melhor índice entre os governadores do país. São considerados pontos fortes de sua gestão o crescimento econômico, impulsionado pelo agronegócio, os bons indicadores de segurança e os resultados positivos de políticas sociais implementadas por lá — Goiás é o segundo estado que mais reduziu o índice de pobreza em 2022, segundo dados do IBGE. Para ganhar votos no restante do país, condição fundamental, considerando que o eleitorado goiano tem um peso de apenas 3% nas urnas, Caiado desde já trabalha no esforço de nacionalizar seu nome. Ele pretende abrir escritórios em São Paulo e Brasília nos próximos dois meses. Além disso, assumiu no último mês a presidência do Consórcio Brasil Central, que inclui os governadores do Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins. Caiado também vai adotar a estratégia de entrar em debates nacionais, sobretudo na área de segurança. “O Brasil precisa saber de que maneira vai enfrentar o narcotráfico. Ou vai se acomodar, como hoje se faz, ou nós teremos medidas capazes de poder libertar o país dessas facções”, afirmou ele a VEJA (confira entrevista).
Esse movimento de subir prematuramente num palanque presidencial, já exibindo as principais bandeiras de uma futura campanha, ocorre no momento em que outros potenciais candidatos da faixa política de centro-direita evitam a todo custo esse tipo de exposição, com medo de queimar a largada. No meio político, é consenso o fato de que o governador paulista Tarcísio de Freitas, do Republicanos, é o nome natural para ocupar essa posição, pelo peso econômico do estado e o perfil afinado com o eleitorado conservador. Ele nega a pretensão, dizendo que seu projeto é a reeleição em São Paulo (uma opção certamente mais segura, em termos eleitorais), mas os aliados esperam que seja apenas uma questão de tempo para Tarcísio se lançar na corrida ao Palácio do Planato em 2026. A mesma postura cautelosa é adotada no momento por outros governadores com potencial de liderar a oposição, casos do mineiro Romeu Zema, do Novo, e do paranaense Ratinho Jr., do PSD.
Independentemente de quem irá conseguir se viabilizar para bater de frente com Lula em 2026, será quase impossível que esse nome venha a abrir mão do apoio de Jair Bolsonaro. Até agora, a popularidade do capitão entre os eleitores mais fiéis ficou intacta, mesmo em meio à sucessão de escândalos que respingam no nome dele, sendo o mais recente a suspeita da criação de um esquema clandestino de arapongagem na Abin nos tempos do seu governo (veja reportagem na pág. 22). A despeito dessa e de outras investigações tendo como alvo Bolsonaro, ele continua com o prestígio em alta junto a grande parte do eleitorado mais conservador, como mostram algumas pesquisas recentes que circularam na cúpula do PL. Resta saber quanto esse ativo resistirá aos próximos anos. Embora aliados ainda sonhem com uma reviravolta jurídica que devolva a ele os direitos políticos até a próxima eleição presidencial, o cenário esperado é o de Bolsonaro atuando como cabo eleitoral de um candidato de direita. Quem desejar contar com esse apoio em 2026 terá a difícil missão de equilibrar a balança, fazendo gestos a esse eleitorado sem se deixar contaminar pela rejeição ao ex-presidente, tão alta quanto a parcela de fiéis que ainda cultua o “mito”.
No caso de Caiado, dentro da pretensão dele de liderar uma frente ampla de partidos que incluiria PP, Republicanos e até o PL de Bolsonaro, o alinhamento com o ex-presidente tende a ser mais natural. O capitão e o governador falam a mesma língua. Nessa relação, ocorreram algumas rusgas apenas no período da pandemia. Caiado fez críticas à forma como Bolsonaro conduziu a crise sanitária, foi contra suas decisões e chegou a romper com o ex-presidente, anunciando que não falaria com ele. “Não tem mais diálogo com este homem. As coisas têm que ter um ponto final”, declarou à época. O rompimento não durou muito. Ainda em 2020, os dois trocaram afagos e selaram novamente a aliança, a ponto de Caiado declarar apoio a Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022. “O grande desafio dos governadores será buscar o apoio de Bolsonaro, e o Caiado tem isso a favor. É o candidato com mais identificação”, avalia Murilo Hidalgo, CEO do Paraná Pesquisas. Apesar desse trunfo e de outros ativos importantes, o governador sabe que o caminho até as próximas eleições será bastante longo e incerto — mas resolveu tentar ganhar alguma vantagem ao se antecipar aos concorrentes na missão de desafiar o PT desde já. Precisará agora mostrar que tem fôlego para manter a dianteira oposicionista na maratona de 2026.
“Enfrentar Lula de novo será especial”
Ronaldo Caiado diz que tinha perfil conservador já na eleição de 1989 e projeta a reedição de duelo com o petista quase quarenta anos depois.
O que o credencia a representar a direita em 2026? Tenho uma história de defesa da iniciativa privada, do direito à propriedade, posições muito claras desde que entrei na política. Não estou remodelando meu perfil, estou preservando o que sempre fui.
Acha que conseguirá atrair o eleitor bolsonarista? O apoio de Bolsonaro é muito importante. Ele conseguiu atender a esse sentimento conservador do país. Mas, até que eu tenha condições de pleitear isso, preciso me apresentar ao Brasil, debater as mudanças substantivas que nós fizemos em Goiás, mostrar como foi a minha postura no Congresso em temas delicados.
Uma das suas pautas centrais é a segurança pública. O que acha da atuação de Lula nessa área? O Brasil precisa saber de que maneira vai enfrentar o narcotráfico. Vai se acomodar, como hoje se faz, ou teremos medidas capazes de libertar o Brasil das facções? Até agora foram apenas medidas paliativas. Só existe Estado democrático de direito em um país onde você tem segurança plena.
O que acha de enfrentar Lula depois de quase quarenta anos? Um momento especial para mim. Será a hora de apresentar a outra maneira de enxergar o Brasil, sinalizar novos rumos, sair da estagnação que o país viveu nesse tempo em que foi governado dentro desse sentimento de esquerda.
O senhor externou formalmente para a direção do partido a intenção de disputar a presidência? Teve apoio? Sempre fui bem direto e transparente quanto às minhas pretensões no União Brasil. Vejo uma ótima aceitação dos colegas com os quais já conversei e acredito que quando esse debate começar pra valer, vamos avançar para ter o engajamento total do União Brasil em um novo projeto de país.
Estaria disposto a abrir mão da candidatura para apoiar outros possíveis candidatos do mesmo campo político, como Zema, Tarcísio ou Ratinho Jr? Parto do pressuposto de que não se constrói uma candidatura presidencial competitiva sendo candidato de si mesmo. Candidatura majoritária é grupo e também momento. Todos esses nomes são muito qualificados e compartilham de visões semelhantes quanto ao futuro do país. Portanto, é importante que tenhamos a sabedoria de discutir um projeto nacional que proponha soluções para problemas históricos do país e que esse grupo permaneça unido em torno desse propósito, escolhendo o candidato que reunir mais atributos para liderar esse processo. Essa discussão acontecerá no momento certo.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878