Sigilo do vídeo na investigação de Bolsonaro racha cúpula da OAB
Conselheiros e diretores da Ordem dos Advogados do Brasil criticaram manifestação feita pelo presidente da instituição
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, viveu um dilema curioso nos últimos dias: concordar com a tese de Jair Bolsonaro ou de Sergio Moro, ambos adversários políticos. O presidente da República, acusado de interferir na Polícia Federal, defende a divulgação de apenas um trecho do vídeo sigiloso de uma reunião entre ministros do governo. Já o ex-juiz da Operação Lava-Jato solicitou a publicidade integral da gravação para comprovar a sua acusação que resultou na instauração de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
A decisão foi tomada no último dia 14 de maio, quando o presidente da OAB enviou ao STF um ofício manifestando o seu interesse na divulgação parcial do vídeo. Ou seja, Santa Cruz concordou com Bolsonaro – e defendeu a publicidade apenas de alguns trechos relacionados à investigação em curso. “No interesse de que a divulgação apenas atinja aquelas conversas que tenham relação direta com a investigação e de se evitar eventual uso político-ideológico da gravação, sugerimos seja avaliado por Vossa Excelência a necessidade de realização de adaptações no material audiovisual, mantendo-se de conhecimento público todos os trechos que guardem pertinência com a possível prática de crime por parte do investigado”, afirmou ele.
Essa posição rachou a cúpula da OAB. Alguns conselheiros e a maioria dos diretores discordaram da manifestação de Santa Cruz. De forma reservada, disseram que a instituição não deveria se envolver em um assunto “político-ideológico”. Ou ao menos deveria se posicionar favorável à divulgação integral do vídeo da reunião ministerial. “A OAB tem compromisso com a defesa de princípios constitucionais como a transparência, a moralidade e a impessoalidade, que sempre estiveram presentes nas defesas públicas feitas pela instituição”, afirmou um dirigente da entidade.
A manifestação de Santa Cruz pegou desprevenido até o vice-presidente da instituição, Luiz Viana Queiroz. No mesmo dia do posicionamento da OAB, o advogado disse publicamente que toda reunião entre ministros do governo deveria ser divulgada para a sociedade. Procurado para comentar a posição da entidade, ele se limitou a dizer: “O presidente da OAB me representa”.
Advogados que atuaram em processos da Operação Lava-Jato também se sentiram representados pela manifestação da OAB. O criminalista Antônio Carlos de Almeida, conhecido como Kakay, criticou o ex-juiz de Curitiba: “Ler a defesa do ex-ministro Moro defender a paridade de armas, alegar surpresa por não ter acesso integral aos documentos a que se refere a AGU (Advocacia Geral da União) e clamar por ter o direito de defesa respeitado é um presente para o estado democrático de direito. O ex-juiz sempre foi parcial e nunca respeitou o direito de defesa na sua amplitude”.
Em nota, o presidente da OAB esclareceu: “Temos uma comissão que analisa as denúncias do ex-ministro Sérgio Moro e o possível cometimento de crime por parte do presidente da República. Pedimos a divulgação das partes do vídeo que guardam relações com o objeto do inquérito, que é o que objetivamente interessa para os fins do que está sendo examinado pela Ordem”. Segundo ele, “a OAB, em qualquer processo dessa natureza, sempre será garantista”.